31 março 2010

Malvado do Aristóteles!

Coitado do Aristóteles.
Diz-se cada coisa sobre ele.

Num exame, comentando este excerto (Poética, 1453b26):

É possível que uma acção seja praticada a modo como a poetaram os antigos, isto é, por personagens que sabem e conhecem o que fazem, como a Medeia de Eurípides, quando mata os próprios filhos, Mas também pode dar-se que algum obre sem conhecimento do que há de malvadez nos seus actos, e só depois se revele o laço de parentesco, como no Édipo de Sófocles.

escreveu-me um aluno:

«Neste texto é bem visível que tanto no princípio como no fim, o grau de malvadez deve estar presente, não fosse um texto de Aristóteles.»

29 março 2010

Não há maiores cegos do que aqueles que não querem ver

Grave, grave, grave.
Grave, grave, grave.

Para lermos com muita atenção, pois não se passa só em Itália.

Texto
(está no blogue e no facebook) de Fernando Mora Ramos, encenador do Teatro da Rainha:


Porque é que não tenho aulas de Português?

Esta pergunta é feita por uma jovem de um curso de teatro de âmbito politécnico. Ela sabe que não conhece a língua e sabe que um licenciado em teatro deveria saber português – um dia, se escapar ao desemprego de longa duração, poderá até vir a dar aulas. Inscreveu-se numa cadeira de Técnicas de Expressão do Português mas eram tantos que nunca conseguiu ouvir a professora no meio da barulheira. Mas valeu a pena saber, através de umas fichas, que cozer e coser tinham significados diferentes. Ela também não sabia que o Teatro de Stanislavski se chamava Teatro de Arte de Moscovo e que a gaivota do pano de boca se referia à peça de Tchecov, A gaivota.

Pego no La Repubblica de oito de Dezembro e vejo um título: “Italiano quase desconhecido: estudantes quase analfabetos”. Trata-se de um trabalho jornalístico de Maurizio Crosetti que realiza um pequeno inquérito ao estado do italiano nas Universidades – Universidades, repito. E à pergunta, como nasce um analfabeto? Quando é que começa a sê-lo? Tullio di Mauro, o pai dos estudos linguísticos italianos diz: “o facilitismo dos docentes provocou danos enormes, promovendo todos e não barrando o caminho a quem não está à altura. Mas o desprezo da língua italiana está também em certos romances de novos autores, cheios de palavrões e abreviaturas, e na linguagem cada vez mais desleixada dos jornais de onde quase desapareceu a riqueza da pontuação”. Para além de um aparente conservadorismo desta posição, e não sei se o será, a questão relevante será a de que, mesmo para transgredir a norma é necessário dominar a norma e não desconhecê-la, fixando a aberração e o desleixo como regra, regra intuitiva de possibilidades de uso da língua em regressão. E a propósito diz, no mesmo artigo de jornal o linguista Gian Luigi Beccaria: “Agora é necessário alfabetizar adultos e jovens, e a culpa é de um inteiro percurso escolar que nem sempre funciona. As lacunas vêm de longe. Além disso, o uso exclusivo do telemóvel e do computador como instrumentos de comunicação não ajuda a nossa língua: o italiano está quase a regredir para dialecto. Deixando perder parte da narrativa contemporânea, onde será possível construir um tesouro de língua adequada? Lendo e relendo autores exemplares pela limpidez do estilo e clareza: penso em Primo Levi, em Calvino, mas também em Pirandello e Pavese”.

Segundo dados do Centro Europeu de Educação oito por cento dos licenciados não consegue na Itália usar a escrita convenientemente – em Portugal qual será a percentagem, será sequer possível vir a saber? Mais grave do que isso, 21 licenciados em 100 não atingem o nível mínimo de decifração de um texto. O mais longe que vão, lendo instruções de uma bula, é intuir as contra-indicações da aspirina. Mas não mais. E acrescenta o estudo: um licenciado em cinco não é capaz de resolver uma ambiguidade lexical e os cem livros que tem em casa serviram-lhe apenas para tirar o diploma.

O império do inglês de uso corrente é também sinalizado como um factor de regressão do próprio italiano. Em reacção a este quadro, diagnosticado como catastrófico – e deveria existir esta categoria para entender que as catástrofes são também culturais, e éticas, para além das naturais – em Itália proliferam agora cursos de recuperação do Italiano para toda a gente.

Que dizer destes dados aplicados ao caso português? Da minha própria experiência, ao pôr em cena uma peça numa escola superior de ensino, verifiquei que cruzes gamadas ninguém sabia o que era. Isto é, todos pensaram que eram mesmo gamadas e ninguém percebeu do que se tratava. Quando descobriram que gamadas e suásticas eram sinónimos, a peça ( de Thomas Bernhard) atraiu-os de modo arrebatador porque tudo se alterava quanto ao sentido. Enfim, é ter a besta diante e não ter os instrumentos da a perceber. Entre nós, a anedota, como uma variante do chico-espertismo nacional – dizem-na humor, nobilitando-a – virou instituição mediática, isto é, poder e verdade nacional. A fuga para frente, ou para o lado, que representa a obsessão da graçola, rasteira, trocadilho, silogismo rasca, e este frenesim que põe tudo aos saltos nos concursos televisivos de cultura geral faz a escola. O rei vai nu e ninguém o vê porque na realidade estão a pensar onde deixou o rei a roupa. Que cegueira será esta? E diz a Maria Parda a propósito da sua fome de vinho não vendo sardinhas à porta das tabernas: “Triste quem não cega em ver / nas Carnecerias Velhas/ muitas sardinhas nas grelhas/mas o demo há de beber.” Existe uma cegueira do excesso, uma incapacidade de pensar sob o impacto da babel de signos em que submergimos e que as políticas aumentam e subscrevem.

27 março 2010

O meu contentamento

«porque hoje é sábado» é uma etiqueta que uso para classificar assuntos que, muitas vezes, não se enquadram no perfil do blogue.
O perfil do blogue é um pouco o meu perfil: não gosto de entrar em polémicas (apenas em simpáticas conversas, mais ou menos acaloradas) e muito menos gosto de ofensas. Aliás, quando aparecem (felizmente, raramente) anónimos a deixarem cartas com letras recortadas na minha caixa de correio, não as publico, claro.
Também não sou uma pessoa de ódios. Não há nada a que possa aplicar a palavra «odeio». Há coisas que detesto, mas odiar tem uma carga forte de mais para o meu gosto.

Porém, o meu perfil também é o de alguém que se indigna.
E muitas são as coisas que me indignam. Procuro não falar nelas no blogue (às vezes lá sai...), porque já percebi como é fácil as pessoas ofenderem-se e insultarem-se umas às outras neste meio, ou, pelo contrário, manifestarem uma intimidade que, na realidade, não têm.
Enfim, tudo isto para dizer que me preocupou (preocupou-me, porque é de um intelectual) um post que foi publicado a propósito de uma atitude tomada por Manuel Maria Carrilho.
A 24 de Março, diz-se que Carrilho, embaixador na Unesco, «alertou o MNE para o perfil do diplomata indigitado (alguém responsável por prisões arbitrárias, policiamento de feiras do livro e outros atentados à liberdade), tendo sido autorizado a fazer-se substituir na votação pelo n.º 2 da Missão de Portugal».

A 23 de Março, sobre esta votação que (
mesmo com o voto favorável de Portugal) não elegeu Farouk Hosny como director-geral da Unesco, estava escrito assim:
«O gesto de Manuel Maria Carrilho fica bem ao cidadão, ao intelectual, ao professor, ao militante do PS e ao antigo ministro da Cultura que ele é. Mas um embaixador é um funcionário. O facto de ser um alto-funcionário não o isenta de deveres. Esgotadas as possibilidades de inverter o sentido de voto, o correcto teria sido faltar à votação, demitindo-se acto contínuo. (Como nem sequer é diplomata de carreira, o risco era zero.) E voltava para as suas aulas em Lisboa, de mãos limpas. A diplomacia não tem estados de alma.»

Para mim é não é irrelevante que Carrilho, afinal, tenha cumprido com aos seus deveres e se tenha abstido de votar. Aliás, teria preferido que tivesse estado presente e votado contra.

As leis são feitas pelos homens (como bem sabiam os Gregos), e, como diz Inês Pedrosa num expressivo texto de 22 de Agosto de 2009, «Os procedimentos são o cimento das corporações e o refúgio dos incompetentes, o paraíso terreno dos sabujos, dos cobardes e dos insensíveis (...) Ninguém, nem uma só alma, ousou ir contra os sagrados procedimentos. Foi assim que o nazismo cresceu, durou e matou: por causa do respeitinho à lei e aos senhores que mandam, um respeitinho feito de medo, egoísmo, subserviência, essa coisa puramente animal que se chama instinto de sobrevivência. Os chefes escrevem a lei, a carneirada cumpre - mé, mé, procedimento a procedimento. Quanto mais defendidos por papelinhos e instruções de cima estivermos, melhor. Se no meio dos procedimentos alguém tiver que sofrer, a culpa não é nossa. Nós não temos o poder. Nós só obedecemos, sem questionar. »

Fico contente por os militares do 25 de Abril não se terem demitido (os de carreira), nem desertado (os outros), nem cumprido ordens.
Fico contente porque na Praça do Comércio um alferes miliciano desobedeceu ao seu brigadeiro e não disparou contra Salgueiro Maia.

Fico contente por ter havido quem tenha prestado atenção aos seus estados de alma.

26 março 2010

Na Universidade do Minho, em Braga...

..., fez ontem uma semana, dei uma conferência sobre literatura e arte.
Fui muito bem recebida pelas minha colegas Virgínia Soares Pereira e Ana Lúcia Curado, bem como pelos que assistiram ao evento (na maioria, alunos da licenciatura em Estudos Portugueses e Lusófonos). Espero que tenha sido uma tarde frutuosa para todos.

Falar desta palestra fez-me lembrar um prazer que tenho: gosto de encontrar títulos e de estabelecer relações entre eles e os (eventuais, mas muito frequentes) subtítulos.
Umas vezes o subtítulo acontece porque o título foi enviado numa fase incipiente do artigo e houve necessidade, posteriormente, de o explicitar. Outras, porque o subtítulo joga com o título,
enriquecendo-o.

Muitos tradutores de Platão apresentam subtítulos que desvendam o assunto principal do diálogo, como Fedro (ou da Beleza), Fédon (ou Acerca da Alma).
Não sei se influenciada por essa forma comum de referir obras, dei por mim a pensar que tenho esse hábito.

Umas vezes é o título que precisa do subtítulo para dizer exactamente de que estamos a falar:

«"Não tirem a luz nem a vista" - O respeito pelo espaço dos outros» (2008)
ou
«Quem sai aos seus (não) degenera: estructuras sintácticas de la Antigüedad greco-latina en proverbios portugueses» (2007)

Outras vezes é o subtítulo que suaviza título, dando-lhe um toque de humor, não deixando de ser esclarecedor:

«Ambiguidade no Eutidemo de Platão ou As passas do Algarve de um tradutor» (2007)

ou este, que apresentei no Minho, a 18 de Março:

«Gregos Antigos na Literatura e Arte Contemporâneas ou Onde estão as chaves?»

10 março 2010

As modas nas Bibliografias


De há uns tempos para cá, as modas nas indicações bibliográficas dizem-nos para não indicarmos o nome da editora. Não compreendendo o porquê, procurei saber o que diziam as modas internacionais, até porque, muitas vezes, o que aqui chega vem de fora.
Encontrei umas linhas de orientação para fazer bibliografias (ver o fim deste post), usando o estilo MLA (Modern Languages Association), em que se diz que apenas não se indica o editor no caso das enciclopédias, revistas e dos jornais (marquei a vermelho a alínea respectiva).

Penso que a editora continua a ser uma referência importante.

Por exemplo, imaginemos que no mesmo ano se editou em Portugal, em duas editoras diferentes de Lisboa (o local mantém-se nas bibliografias) duas traduções do mesmo texto, como identificar uma e outra?

Já nem vou dar exemplos de textos clássicos, para os quais a editora é uma marca fundamental na sua apreciação (mesmo internacionalmente) qualitativa. Seriam inúmeros. Tomemos um livro cujos direitos estão no domínio público, como O Príncipe, de Maquiavel.
Numa busca não muito demorada, encontrei-o em 4 editoras de Lisboa (a vantagem da Europa-América é que é de Mem-Martins e assim nunca nos enganamos), duas delas de 2008.
Portanto, se eu indicasse: Maquiavel (2008), O Príncipe. Lisboa, a que edição me referia? À da Presença? Ou à da Temas e Debates? Não consigo ver qual a vantagem de não indicar a editora.

Mais facilmente prescindiria do local de edição.

Definitivamente, não gosto desta moda.

(Outras editoras de Lisboa com esta obra: Sílabo, 2007 e Coisas de Ler, 2003)

4. PUBLISHER - for Books Only

a) Be sure you write down the Publisher, NOT the Printer.

b) If a book has more than one publisher, not one publisher with multiple places of publication, list the publishers in the order given each with its corresponding year of publication, e.g.:

Conrad, Joseph. Lord Jim. 1920. New York: Doubleday; New York: Signet, 1981.

c) Shorten the Publisher's name, e.g. use Macmillan, not Macmillan Publishing Co., Inc. Omit articles A, An, and The, skip descriptions such as Press, Publishers, etc. See Section 7.5 in the 6th ed. of the MLA Handbook for more details and examples.

d) No need to indicate Publisher for encyclopedias, magazines, journals, and newspapers.

e) If you cannot find the name of the publisher anywhere in the book, use "n.p." to indicate there is no publisher listed.