05 março 2022

«em prol da liberdade de todos»

Acabei de reler, em Diógenes Laércio, 2.5 (tradução minha), uma carta que Anaxímenes (de Mileto) terá escrito a Pitágoras, no séc. VI a.C., e que me encheu de tristeza, por ver a história a repetir-se: os anseios e receios de quem vê a guerra à porta.

Bem fez Pitágoras em ir para longe.

Mas, hoje, já nada está suficientemente longe.

:(

«Anaxímenes a Pitágoras

            Foste o mais prudente de todos nós, quando te mudaste de Samos [1] para Crotona [2], onde estás em paz. Os filhos de Éace [3] praticam males imperdoáveis e tiranos não faltam aos Milésios [4]. O rei dos Medos [5] também é terrível para nós, se não quisermos pagar tributo; mas, em verdade, os Jónios estão a ponto de empreender uma guerra contra os Medos, em prol da liberdade de todos: e quando estivermos em guerra, deixaremos de ter esperança de salvação. Como poderá Anaxímenes ainda ter ânimo para estudar os fenómenos celestes, estando com medo de ser entregue à morte ou à escravatura? (...)»


(Foto: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nuremberg_chronicles_f_68v_2.png)

__________________________

[1] Ilha grega, do mar Egeu.

[2] Cidade da atual Calábria, em Itália.

[3] Éace de Samos tinha 3 filhos: Polícrates, Pantagnoto e Silosonte. Segundo Heródoto, 3.39, Polícrates, que se tornou tirano, “matou um deles, exilou o mais novo, Silosonte, e chamou a si, por inteiro, a soberania de Samos”.

[4] Habitantes de Mileto, colónia grega da Jónia (Ásia Menor, perto da atual Balat, na Turquia).

[5] Deverá referir-se a Astíages. Os Medos, parentes dos Persas, viram o seu poderia derrotado por estes, liderados por Ciro II, (neto de Astíages), também conhecido como Ciro, o Grande, em 550 a.C., na batalha de Pasárgadas. 

11 junho 2020

Jogos e Dietas ou Afinal os jogos são um remédio

Estava a ler um passo de Heródoto que me trouxe à ideia o problema do vício dos jogos, que prende e quase que anestesia jovens e menos jovens a ecrãs, mesas e casinos.
Não imaginou, quem os inventou, no outro tipo de consequências que daqui podem advir, mas esta reação de abstração não foi resultado de um acaso, mas intencional:
Os jogos foram inventados para que as pessoas não pensassem na fome que sentiam.
Ah, pois foi.
:)
Leiamos, então, o que nos diz este historiador grego do séc. V a.C.:
«Dizem os mesmos Lídios* ainda que os jogos, em uso atualmente, entre eles e entre os Gregos, são sua invenção. Afirmam que esses jogos teriam sido inventados por eles, ao mesmo tempo que conquistavam a Tirrénia. 
Contam o seguinte a tal respeito.
No tempo do rei Átis, filho de Manes, houve uma grave carestia em toda a Lídia. Por algum tempo, os Lídios aguentaram com tenacidade, mas depois, como não cessava, procuraram remédios, e cada um imaginou sua coisa.
Então foram inventados os jogos dos dados, dos astrálagos, da bola e todos os outros tipos, salvo o das damas, cuja invenção os Lídios não reclamam.
E contra a fome serviam-se dos seus inventos desta maneira: de cada dois dias jogavam um inteiro, para não procurarem a comida, e no outro deixavam os jogos e comiam. Desde modo viveram durante dezoito anos.»
(Livro I, 94.2-4. Tradução de José Ribeiro Ferreira e Maria de Fátima Silva, para as Edições 70)
😊


* A Lídia correspondia ao território das atuais províncias de Esmirna e Manisa, na atual Turquia




Ânfora de Exekias, representado Aquiles e Ájax a jogar aos dados. 540-530 a.C. Museu  Gregoriano Etrusco do Vaticano
http://www.museivaticani.va/content/museivaticani/en/collezioni/musei/museo-gregoriano-etrusco/sala-xix--emiciclo-inferiore--collezione-dei-vasi--ceramica-atti/anfora-attica-a-figure-nere-firmata-da-exekias.html

23 junho 2019

Lívia & Júlia

Durante 8 anos (de julho de 2010 a julho de 2018) escrevi no jornal Postal do Algarve, no suplemento Cultura.Sul, sobre livros «Da minha biblioteca» (que era o nome da rubrica).
Como forma de não deixar morrer (por agora) este que foi o meu primeiro blogue e, ainda, preservar alguns desses textos, vou publicá-los por aqui, de vez em quando.
:)
Começo por...


Lívia & Júlia

Lívia e Julia (no texto, em latim, sem acento). Dois nomes romanos de duas mulheres fortes. Lívia, uma mulher real, farense, do século XXI, conta a história de Júlia, também uma mulher real, romana, do séc. I.
A história de Julia é ficcionada por Lívia. Partindo de uma pequena referência arqueológica a uma tal Iulia Felix, dona de uma grande propriedade em Pompeios*, constrói a personagem, do nascimento à morte.

Que as cerca de 500 páginas não assustem o leitor, pois nem vai dar por elas. Posso confessar que, quando acabei, fiquei com a sensação de que «soube-me a tanto/ portanto/ hoje soube-me a pouco» (como tão bem canta o Sérgio Godinho).

A cidade de Pompeios é tristemente conhecida por ter ficado soterrada por uma erupção do vulcão Vesúvio, no ano 79 da nossa era. Entre as ruínas (em que só uma parte é hoje visitável), podemos encontrar belíssimos frescos (pinturas murais comuns em toda a antiguidade) que representam cenas da vida quotidiana. Inspirada, provavelmente, por estes pequenos retratos de um mundo perdido, o livro de Lívia Borges consegue o propósito do subtítulo: «Frescos de Pompeia», pois o romance pinta com cores variegadas a vida de Julia Vinicia Galla, conhecida como Julia Felix, por decisão da própria personagem. Na época imperial (a do romance), já era frequente as raparigas terem um nome próprio (antes, tinham apenas o nome da família do seu pai, a gens, na forma feminina). Menos vulgar era que esse nome fosse o da mãe, mas neste romance também se retrata um amor eterno de um homem pela sua esposa, algo incomum (mas não impossível, como o revelam alguns testemunhos históricos) na Roma antiga, em que os casamentos eram arranjados pelas famílias. E assim temos Julia Vinicia Galla, filha de Julia e de Spurius Vinicius Galla, que escolhe o cognome (como era hábito os homens fazerem) de Felix (feliz), como distintivo, marcando uma felicidade por si construída.

A educação antiga
Esta Julia teve uma educação muito mais próxima da que seria normal para um rapaz do que para uma rapariga. Não se esquecendo de lhe dar também formação para se portar como uma senhora, que se deveria casar, procriar e ser esposa, o pai de Julia, por não ter tido um filho varão, concedeu à filha a graça da educação dos rapazes: um professor grego ensinou-lhe aquela língua, bem como todas as matérias que formavam o cidadão activo na sociedade, para, citando Spurius (p.66), saber «como se comportar, como agir, como se defender no mundo onde nasceu». A educação é a arma para isso tudo (não só no tempo dos romanos). Spurius sabe o que quer para a filha, logo aos 5 anos (p.56): «Julia irá aprender a ler e a escrever, aprender literatura, poesia, mitologia, história, geografia, matemática, grego e latim e também aprender a falar em público».

Armada deste modo, quando Julia fica sozinha, viúva e órfã, são estes saberes que a salvam de uma vida em que dependeria obrigatoriamente de um marido ou de um tutor (como mais tarde lhe acontece, não sem que deixe de conseguir dar a volta por cima… mas não vou contar o final).

Frescos
As cores dos frescos vão variando: cores garridas com a glória de Julia e o esplendor da vida que erige na sua Campânia amada; cores desmaiadas pelas cinzas do Vesúvio; cores agressivas de uma Roma imperial, que sufoca os seus habitantes com intrigas e terror.

As intrigas são, precisamente, outro elemento muito bem explorado por Lívia Borges: enrola-nos em acordos e tratos velados ou a descoberto, desvenda-nos conluios interesseiros, mas mostra-nos também amizades verdadeiras, que sobrevivem a todas as intempéries.

Outro elemento que dá prazer na leitura é a vivacidade com que a autora nos dá a conhecer as personagens e a sua vida de todos os dias. Os salpicos de palavras em latim em nada dificultam a narrativa e contribuem para a construção de que não estamos a ler ficção, mas sim história verdadeira. As descrições de refeições simples, de banquetes, de lutas de gladiadores, de castigos a escravos, de violência doméstica, de amor sensual, são, ao mesmo tempo, explícitas e subtis, nunca roçando a vulgaridade ou a vontade de impressionar o leitor com a sua sabedoria, como por vezes acontece neste tipo de obras.

O facto de a narradora nos fazer crer, em certos momentos (determinados pela mudança de fonte nos caracteres usados), que estamos a ler um diário da personagem principal, aproxima-nos ainda mais desta mulher que, tirando as devidas distâncias a que a História obriga, não está muito distante de nós.

O convívio com Julia abriu o apetite para o que aí vem, sim, porque, felizmente, a autora revelou que estão mais «frescos» a caminho.

Duas últimas observações, desta vez para a Editorial Presença: a primeira serve para dar os parabéns por apostarem nesta nova escritora; a segunda, para pedir mais atenção à revisão (não é indicado o nome de nenhum revisor na ficha técnica), pois um livro desta qualidade merece toda a atenção e cuidado.
           
Uma curiosidade onomástica: quanto uma Lívia se tornou Júlia
Livia Drusilla (filha de Marcus Livio Drusus) foi mulher do primeiro imperador de Roma, Gaius Julius Caesar Augustus (conhecido também como Octavius Caesar Augustus) e mãe do imperador Tibério. Quando entrou para aquela família, mudou de nome e passou a ser conhecida como Julia Augusta.

* Pompeios – a minha formação de classicista obriga-me a esta nota. A cidade vesuviana, em Latim, é Pompeii, um nome masculino plural. O nome «Pompeia» foi um erro de tradução do popularíssimo romance de Edward Bulwer-Lytton, de 1834, The Last Days of Pompeii, por Os últimos dias de Pompeia. O nome da cidade, em português, é Pompeios, apesar de o uso ter generalizado Pompeia. Felizmente, já se começa a ouvir (e a ler) a forma correta.


14 fevereiro 2018

Giorgio de Chirico

Recebi um mail da Rebecca T, da Artsy, a dizer-me:

«our mission to make all the world’s art accessible to anyone. We hope to continue promoting arts education and accessibility with your help. 

Our Giorgio de Chirico page provides visitors with de Chirico's bio, over 50 of his works, exclusive articles, and up-to-date de Chirico exhibition listings. The page also includes related artists and categories, allowing viewers to discover art beyond our de Chirico page. We would love to be included as an additional resource for your visitors via a link on your page.»

Quem sabe se algum dos meus amigos quer comprar um original?

















O leilão deste Achille e Chirone, 1938, já fechou, mas podem ter sorte noutras obras!

29 dezembro 2017

o problema da agradação

Juro que tento perceber.

Tanto tento, que quando vejo uma palavra destas, vou ao dicionário. Diz-me o Priberam:
a·gra·da·ção 
(inglês aggradation)
substantivo feminino
[Geologia Deposição progressiva e generalizada de sedimentos no leito de um curso de água.


"agradação", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/agrada%C3%A7%C3%A3o [consultado em 29-12-2017].

Ah, pois é... e aqui?
«É possível verificar que quando se trata de mulheres, enquanto seres de agradação aos homens, estes estavam caídos nas mãos das mulheres.»

Eu ainda choro. Juro que ainda choro.

01 fevereiro 2017

sic transit...

Todos os anos leio afirmações peregrinas sobre o Édipo (neste caso, o de Bernando Santareno). Esta foi a mais recente: «o herói é um homem do povo que se integra num grupo de marginais e é acusado de suicídio».
Sic.
Sic transit gloria mundi


30 dezembro 2016

Cabelos e cabeleiras

Esta cabeleira, em pedra, de 1600-1500 a.C., devia emoldurar a cabeça de uma escultura em madeira, provavelmente de uma esfinge (informação fornecida pelo museu de Heráclion, Creta)
Em data semelhante, mas d.C. (portanto, uns 3000 anos depois), os homens também gostavam de usar cabeleiras do género.



 





11 setembro 2016

Modernices milenares

Afinal as solas ditas «plataforma» não são invenção recente...

)


(Museu de Micenas: estatueta articulada proveniente de um altar da Casa do Oeste, do período do Heládico Médio - 2000/1900-1550 a.C.)

Notinha: Este blogue faz hoje 10 anos, mas não merece parabéns, pois por aqui publica-se pouco.

19 junho 2016

Em Cnossos, com Sophia

Fui a Creta pela primeira vez no passado mês de maio.
Fui à Grécia 6 vezes, vivi em Atenas 4 meses, no já longínquo ano de 1998, para poder acompanhar os seminários de Jeffrey Rusten, professor em Cornell (EUA), na American School of Classical Studies at Athens (ASCSA), mas nunca tinha ido a Creta (como, aliás, não fui a muitos outros sítios naquele maravilhoso país).
Da primeira vez, em 1985, levei o Ulisses, de James Joyce, que só me serviu para pesar na mochila, pois que foi e veio fechadinho (levá-lo foi um romantismo de adolescente).
Desta vez, fui mais sensata e levei a poesia de Sophia, que li por onde passei.
:)

«Ressurgiremos»
Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos
E em Delphos centro do mundo 
Ressurgiremos ainda na dura luz de Creta
Ressurgiremos ali onde as palavras
São o nome das coisas
E onde são claros e vivos os contornos
Na aguda luz de Creta
Ressurgiremos ali onde pedra estrela e tempo
São o reino do homem
Ressurgiremos para olhar para a terra de frente
Na luz limpa de Creta
Pois convém tornar claro o coração do homem
E erguer a negra exactidão da cruz
Na luz branca de Creta.






















11 junho 2016


Às vezes, vejo semelhanças entre objectos da antiguidade e realidades nossas conhecidas (mesmo que sejam de ficção).
Quando deparei com esta cabeça de menina romana, penteada segundo a moda da época, só me lembrava daqueles seres estranhos da ficção científica.
Ao procurar uma imagem desse género, encontrei esta do Alan Rickman, ficando assim também uma homenagem a este actor, recentemente falecido (a 14 de janeiro deste ano).
:)


Foto de Adriana Freire Nogueira.
Cabeça de menina romana (Museu de Heráclion, Creta)
Foto de Adriana Freire Nogueira.
Alan Rickman (em Galaxy Quest)

19 março 2016

Vai chamar pai a outro!

  Porque hoje é o dia do pai, relembro um passo do diálogo de Platão, Eutidemo (traduzido por mim e publicado na INCM, em 1999), em que os sofistas Eutidemo e Dionisodoro «provam» que Sócrates não teve pai...

e    «-Respondo então que Iolau era sobrinho de Héracles e, pelo que me parece, não era nada a mim, pois o meu irmão Pátrocles não era pai dele, mas sim Íficles, um nome parecido, que era o irmão de Héracles.»  
          «-E Pátrocles é teu irmão?»    
         «-Claro.» - disse eu - «Nascido da mesma mãe, mas não do mesmo pai.»     
         «-Então é teu irmão e não é teu irmão.»     
     «-Não nasceu do mesmo pai, meu caro,» - esclareci - «pois o dele era Queredemo e o meu Sofronisco.»    
        «-E Sofronisco era pai e Queredemo também?» - perguntou.      
        «-Sem dúvida» - respondi. - «Um era meu, outro era dele.»
298a  «-Portanto, Queredemo era diferente de pai?» - continuou.      
         «-Do meu, sim.»      
        «-Mas então sendo pai era diferente de pai? Ou tu és o mesmo que esta pedra?»    
        «- Eu? Receio que aos teus olhos pareça o mesmo, mas no entanto não é essa a minha opinião.»
        «-És então diferente desta pedra?»     
       «- Naturalmente que sou.»     
       «- Por conseguinte, sendo diferente de uma pedra, não és pedra? E sendo diferente de ouro não és ouro?»     
      «-É isso mesmo.»    
      «-Então também Queredemo sendo diferente de pai, não é pai.»     
      «-Parece não ser pai» - disse eu.
b   «- Pois, sem dúvida,» - disse Eutidemo, tomando a palavra - «se Queredemo é pai, Sofronisco, pelo contrário, sendo diferente de pai, não é pai. De modo que tu, Sócrates, não tiveste pai.»

                                          
(Foto da senhora Sócrates com o seu digníssimo marido, o tal filho de Sofronisco, no British Museum)

27 fevereiro 2016

Qual é o caminho mais rápido para o Hades?

Diógenes Laércio, biógrafo de filósofos ilustres - muitos deles remontando a mais de 700 anos antes da sua época, já que viveu no séc. III d.C. -, é a fonte de muitas das anedotas (no sentido de historietas curiosas) que sobre aqueles se contam.
Como ando a traduzi-lo, vou deixando aqui algumas dessas pérolas.


A um indivíduo que estava zangado porque iria morrer no estrangeiro, [Anaxágoras] respondeu: «De onde quer que se esteja, a descida para o Hades é a mesma. 
(D.L. 2, 11)


(imagem do mundo inferior - tirada  daqui)

05 janeiro 2016

Pilatos? Quem é? Ah, sim, o do anel no dedo mindinho!

Intitulei «Dores d' Alma» uma etiqueta em que reunia algumas respostas «fascinantes» que recebia em Matrizes Culturais Europeias.
Os alunos estão mais aplicados e já não escrevem tantas barbaridades (pode ser que o receio de fazer parte da etiqueta os tenha refreado), mas tive, recentemente, uma engraçada:

Justifique o nome da imagem: «Pilatos»


(«Pilate washing hands», de Shane Lucas Onchan)

Resposta recebida: 
«A imagem tem o nome de Pilatos pois vemos as mãos sobre a pia e o anel no dedo mindinho».

Na aula tinha mostrado (entre outras imagens, claro, mais sérias) esta vinheta:


Eu acho giro isto de reconhecer imagens das culturas antigas.
Felizmente, a maioria dos alunos teve excelentes resultados nesta parte.
Estou contente.



11 setembro 2015

Senhora Sócrates versus Facebook

Foi a 11 de Setembro de 2006 que escrevi o primeiro post neste blogue.
Dei-me conta de que já passaram 9 anos e que já há muito que nada aqui escrevia.
Vou ter de me decidir: ou o fecho ou retomo a sua escrita.
Veremos.
O Facebook alimenta a inércia das frases curtas, dos assuntos frívolos, e vai desmotivando as reflexões que um blogue permite.
Mesmo que ninguém leia.
Num blogue não se procura se a publicação teve muitos «gostos», se foram usados emoticons ou se Fulano e Beltrano comentaram. E os amigos não o são logo «do peito». Conquistam-se mais devagar, porque o tempo aqui é diferente.
Gosto.

Imagem: a 11 de setembro, nos alvores do séc. II d.C. (entre 97 e 103), Cláudia Severa convida a sua amiga Sulpicia Lepidina para o seu aniversário. Foto tirada por mim no Museu Britânico.



27 dezembro 2013

Hoje, estando de férias (sim, estou legalmente de férias), andei a dar uma voltinha pelas «postagens» e vi que tinha esta em rascunho desde Agosto de 2010...
Não sei o que se terá passado, mas hoje, que até estive a ler um livrinho de Proust sobre a leitura (uma edição da FNAC), Séneca vem mesmo a calhar:

A leitura alimenta a inteligência e retempera-a das fadigas do estudo, sem, contudo, pôr de lado o estudo. Não devemos limitar-nos nem só à escrita, nem só à leitura: uma diminui-nos as forças, esgota-nos (estou-me referindo ao trabalho da escrita), a outra amolece-nos e embota-nos a energia. Devemos alternar ambas as actividades, equilibrá-las, para que a pena venha a dar forma às ideias coligidas das leituras.

Séneca, Cartas a Lucílio, 84, 2.

21 setembro 2013

Viver para comer ou comer para viver



(Museu de Nápoles: réplica do séc. I d.C. de um original grego do séc. IV a.C.)

Ando a namorar com o Diógenes Laércio e decidi ver o que diz ele de Xantipa, a mulher de Sócrates:

Uma vez em que Sócrates convidou umas pessoas ricas para jantar e Xantipa ficou envergonhada, ele disse-lhe: «Nada receies, pois se forem tolerantes, serão indulgentes, se não prestarem, não nos preocupemos com elas». E dizia que os outros homens viviam para comer, enquanto ele comia para viver.
(II, 5, 18.)
[Foto e tradução minhas]

13 setembro 2013

Aulinhas de Grego


Na segunda-feira começam as aulas de Grego.

Estou muito contente e entusiasmada, pois é apenas a segunda vez que tenho a possibilidade de ensinar a minha língua do coração na Universidade do Algarve.
E tudo me está a dar uma alegria quase infantil: a escolha dos textos, a metodologia a adotar, as estratégias de motivação...
Além de que me dá um prazer quase pigmaliónico dar aulas de iniciação: é lindo ver o saber e o prazer da descoberta a crescer nos alunos.

Vai ser bom, tenho a certeza!




11 setembro 2013

O regresso

Regressei.
Faz hoje 7 anos que iniciei este blogue.
Por diversas razões, não consegui ter disponibilidade (mais mental que real) para escrever no blogue.
Como hoje termina o meu mandato como diretora do Departamento de Artes e Humanidades e a data coincide com a fundação do blogue, achei que seria também uma boa altura para o retorno.

Quem me acompanhou nestes dois anos (no Facebook, por exemplo), sabe que uma das atividades exercidas paralela e graciosamente ao meu trabalho como professora na Universidade do Algarve tem sido a escrita mensal de um texto para o jornal  Postal do Algarve, mais precisamente para o suplemento Cultura.Sul.
Os artigos não são académicos nem de crítica literária, mas sim de promoção de leitura: falo de livros de que gosto, quando me apetece. Não têm de ser novidade nem apenas de autores algarvios (se bem que, sempre que posso, faça por divulgar o bom que se publica nesta região que adoptei e me adoptou). Por isso a rubrica se chama «Da minha biblioteca».

E porque de retorno falamos, deixo aqui o texto que escrevi, há uns meses, sobre o excelente livro de Dulce Maria Cardoso:


O Retorno
 (imagem daqui)


Dulce Maria Cardoso (2011). O Retorno. Lisboa: Tinta da China.

Dulce Maria Cardoso andou muito tempo esquecida das nossas livrarias, jornais e revistas literárias, mas não dos seus leitores, que cativou desde o primeiro romance. Em contrapartida, o seu quarto e último livro, O Retorno, mereceu atenção de todos e foi, ainda em 2011 (apesar de ter sido lançado já em outubro) considerado o melhor romance, e por isso recebeu o Prémio Especial da Crítica dos Prémios de Edição LER/Booktailors.
Uma das grandes qualidades que encontro neste livro é a de poder ser compreendido mesmo por uma pessoa que não passou pela situação de retornada nem tem memória desse tempo, como é o meu caso. Apesar de acreditar que quem tenha vivido a situação o entenderá com outra emoção e entendimento, acredito também que a Literatura (usei maiúsculas propositadamente) se faz desta capacidade de ser universal e de quebrar barreiras. Por exemplo, a vontade de integração e de aceitação dentro de um grupo onde somos recém-chegados já foi sentida por muitos dos leitores (um emprego novo, uma terra nova, uma nova escola, etc.) e é essa reminiscência que nos faz compreender tão bem a jovem Milucha: «A minha irmã tem vergonha de ser retornada, finge que é de cá e esconde o cartão que tem o carimbo vermelho, aluna retornada, o cartão que dá direito a um lanche na cantina. A minha irmã cheia de fome mas sem coragem de ir à cantina para que os de cá não vejam o cartão, aluna retornada. A minha irmã a achar que pode não ser retornada apesar das roupas grandes, da pele ainda queimada pelo sol de lá, de se rir sem medo que os lábios sangrem, um sorriso bonito, a minha irmã a fingir que não é retornada, a dizer pequeno-almoço, frigorífico, autocarro, furos, em vez de matabicho, geleira, machimbombo, borlas» (p.150)

Um dos aspetos de que mais gostei foi o do ponto de vista escolhido: o de Rui, um jovem de 15 anos, que acompanhamos durante dois anos, através de quem vemos o mundo, mas que não nos deixa ver tudo quanto se passa à volta ou dentro de si. Uma sabedoria na construção da narrativa leva o leitor a surpreender-se, pois, apesar de não perder o fio à meada, a narração não segue uma linha cronológica, levando-nos a deduzir o que se passa ou passou, ou que o narrador/personagem sabe ou não, mas que não nos quer contar. A idade, longe de infantilizar, devolve pureza à história. A pontuação escolhida, onde pontifica a ausência de marcação de discurso direto, provocando uma interseção constante entre o que é visto, o que é dito e o que é pensado, contribui para, por um lado, nos envolvermos na confusão de sentimentos por que passa Rui, e, por outro, para irmos acompanhando a interceção entre acontecimentos, através das lembranças (ou construções da imaginação) do narrador. Há um exemplo muito claro, que se estende ao longo de 5 páginas (59-63). A família, sem o pai, que tinha sido levado preso perante o filho, aguarda em Luanda transporte para a metrópole. Cada um dos 18 parágrafos que constituem aquele capítulo onde se conta a situação vivida no aeroporto termina com uma frase da situação presenciada por Rui, contada no capítulo anterior, como se um parágrafo tivesse sido desfeito em frases a estalarem na cabeça do adolescente, com a atenção ao pormenor que sempre acontece em momentos de grande tensão, memória em forma de imagens soltas e de sons, sem seguir necessariamente a ordem dos acontecimentos: «O jipe desaparece depois da casa da Editinha». «As mãos do pai amarradas atrás das costas». «Vamo matáti cum tuá arma e tuá bala». «A poeira demora a assentar». «A balalaica branca do pai ensopada de sangue». «O isqueiro Ronson Varaflame caído ao pé do canteiro». «A mãe de braços caídos no fim da rua». «O sangue do pai no asfalto». «Os vasos da escada tombados». «O pai metido à força no jipe». «As mãos do preto no braço do pai». «A minha irmã sem conseguir descer as escadas». «A Pirata a ganir com o pontapé do preto». «Os olhos aflitos do pai». «Os pretos a rirem quando o jipe arranca». «A arma do pai nas mãos do preto». «A arma do pai apontada à cabeça». «A mãe a correr por dentro da poeira que não assenta».
As personagens secundárias representam muitos tipos: os que eram contra o regime, os que eram a favor, os que se alegraram com a colonização, os que culparam os descolonizadores, mas não procura encontrar culpados, mas mostrar quadros e vidas desenraizadas.
Ainda em Angola, a mãe costumava dizer: «Esta terra não nos pertence enquanto não lhe conhecermos o coração, enquanto não lhe conhecermos o coração esta terra não guardará as nossas marcas nem reconhecerá os nossos passos» (p.151). E o que Rui vê, depois de quase dois anos a viver num quarto de hotel, é que «a metrópole é velha e já não tem um pedaço de terra selvagem onde a mãe possa inventar um coração» (p.195).
No entanto, este livro fala de esperança. Uma esperança assente da força do pai, um pai que, fisicamente, também é forte, que acredita conseguir reconstruir a sua vida. Fala de libertação. A libertação dos medos que tolhem a vida. Fala de crescimento. Não apenas de Rui, mas de todos, inclusive do pai. Fala de ternura. Entre o casal, entre pais e filhos, entre irmãos, entre filhos e pais. Mas uma ternura não lamecha. Porque a mãe tinha «crises» e «demónios», os filhos poupavam-na e não se queixavam das privações e provocações que lhes aconteciam na escola: desprezo, frio, fome. As professoras escreviam (pp.149-50) «recados, a aluna tem muito frio, a aluna está sempre a tremer nas aulas, a aluna tem de vir mais agasalhada. Nunca mostrámos à mãe os recados […]. Era o que faltava mostrar os recados das professoras à mãe».
Apetece partilhar.

27 março 2011

Esta semana, no Porto




PROGRAMA:

31 DE MARÇO DE 2011

9:00H Abertura
...
9:30H I Sessão – presidente: Graça Pinto
Jorge Deserto (U. Porto), «Mythos e epos em Hesíodo».
Maria do Céu Fialho (U. Coimbra), «Estratégias narrativas na epopeia de Apolónio de Rodes».
Marta Várzeas (U. Porto), «A narrativa nos hinos de Calímaco».

10:45H II Sessão – presidente: Maria do Céu Fialho
Cláudia Teixeira (U. Évora), «Retórica na Eneida de Virgílio: discurso, narrativa e emoção».
Zulmira Santos (U. Porto), «Retórica e ideologia em Os Lusíadas».
Isabel Almeida (U. Lisboa), «Retórica e Poesia: ligações benignas. Os Lusíadas à luz de alguns comentadores».

12.45H Almoço

14.30H III Sessão – presidente: Pedro Tavares
Carmen Soares (U. Coimbra), «A narrativa ao serviço do discurso moralizante, político e científico na historiografia herodotiana».
Adriana Nogueira (U. Algarve), «Demagogia e influência em Tucídides».
Manuel Ramos (U. Porto), «Arte oratória na narrativa de Salústio».
Cristina Pimentel (U. Lisboa), «Temor e compaixão: um olhar sobre a morte nos Annales de Tácito».

16:30H IV Sessão – presidente: Zulmira Santos
Carla Castelli (U. Milano), «Persuaders and narrators. Aspects of diegesis in the Second Sophistic».
Maria de Fátima Silva (U. Coimbra), «O agon judicial no romance de Cáriton».
Delfim Leão (U. Coimbra), «O topos do voyeurismo no Satyricon de Petrónio e no Burro de Ouro de Apuleio».

1 DE ABRIL DE 2011

9:30H V Sessão – presidente: Cláudia Teixeira
Ana Ferreira (U. Porto), «Da narrativa de Plutarco aos Panegyrici latini».
Belmiro Fernandes Pereira (U. Porto), «De Tito Lívio a Tácito: a historiografia clássica na retórica humanista».
Victoria Pineda (U. Extremadura), «Retórica y narración histórica: amplificatio, evidentia y ‘celerità’ en la Guerra de Cataluña de don Francisco Manuel de Melo».

11:15H VI Sessão – presidente: Jorge Osório
Violeta Pérez Custódio (U. Cádiz), «Entre filología y retórica: el concepto de relato milesio en el s. XVI».
António Andrade (U. Aveiro), «De Antuérpia a Ferrara: memórias de viagens de cristãos-novos portugueses».
Rui Carvalho Homem (U. Porto), «“Holy fire”, “mighty line”: Retórica, prosódia e desejo em Hero and Leander, de Christopher Marlowe».

12.45H Almoço

15:00H VII Sessão – presidente: Carlos Azevedo
Ofélia Paiva Monteiro (U. Coimbra), «Da arte narrativa de Garrett e da projecção que obteve em alguma ficção posterior do nosso Romantismo».
Maria do Rosário Cunha (U. Aberta), «Retórica e narrativa em Eça de Queirós».
Gualter Cunha (U. Porto), «Mapas do tempo: retórica do lugar em Ulysses, de James Joyce».
Gonçalo Vilas-Boas (U. Porto), «Minotauro plural: Cortázar, Borges e Dürrenmatt».

17:00H VIII Sessão – presidente: Maria de Fátima Sousa e Silva
Fátima Marinho (U. Porto), «De Agustina a Saramago ou a arte de transgredir os clássicos».

17:30H
Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto…
…encontro com o escritor Mário de Carvalho