31 dezembro 2009

Alegria na entrada em 2010

Horácio, o poeta da moderação, da aurea mediocritas, também canta a alegre loucura (dentro dos limites permitidos pelas Graças, claro) que o vinho provocava.
É tempo de beber, dizia num outro poema.
Deixo aqui os meus votos de um 2010 repleto de tudo o que for vosso desejo, acompanhados por excertos de uma ode deste poeta (Ode III, 19) e de uma imagem do copeiro dos deuses, o jovem Ganimedes:

(imagem daqui)
(...)
Serve-nos vinho, rapaz, depressa!
Serve-nos, pela lua nova! Serve-nos, pela meia-noite!
Serve-nos, pelo áugure Murena! Preparem-se
os copos com três ou nove cíatos, ao gosto de cada um.

Quanto ao vosso atordoado poeta,
que as ímpares musas ama, três cíatos vezes três há-de pedir:
de tocar em mais de três
a Graça com suas desnudas irmãs nos proíbe,

por recear as rixas.
Agrada-me ensandecer. Porque cessa o sopro
da tíbia de Berecinto?
Porque penduradas na parede se calam a siringe e a lira?

Odeio mãos avaras!
Espalha as rosas!
(...)

(Tradução de Pedro Braga Falcão, na Cotovia)

23 dezembro 2009

Porque hoje é 23 de Dezembro

Este blogue tem andado parado na proporção inversa da minha actividade.
Não é falta de respeito pelos meus amigos e convidados desta ágora, mas simplesmente incapacidade de parar para escrever.
Deixo aqui uma foto (do ano passado, que este ainda nem tempo tive para as manifestações de paganismos e religiosidades), com votos de boas festas para todos e promessa (sim, esta é a altura das promessas, pois então) de publicações mais periódicas.
FESTAS FELIZES

08 dezembro 2009

Que dia é hoje? Dia de aniversário de Quintus Horatius Flaccus

Diz-nos Suetónio, na Vida dos Poetas, sobre Horácio:

Natus est VI Idus Decembris L. Cotta et L. Torquato consulibus.

Nasceu a 8 de Dezembro de 65 a.C., diríamos nós.

O aniversário de Horácio é um bom pretexto para falar do calendário dos Romanos.

Costumamos dizer que o latim é uma língua sintética, que usa menos palavras que nós para dizer a mesma coisa.
Isso não se passa com a datação.

Os Romanos indexavam os anos a acontecimentos consultáveis em listas (tabelas) onde constavam os dois cônsules que tinham governado nesse ano (os fasti consulares).

Tal como digo, quando me tento lembrar de alguma coisa: «Ora isso aconteceu-me no ano em que entrei na Faculdade», querendo dizer 1984, ou «Lembro-me perfeitamente! Foi quando Cavaco Silva foi primeiro-ministro», querendo dizer 1985, também eles diziam, como neste exemplo, que Horácio nasceu no ano em que eram cônsules Lúcio Cotta e Lúcio Torquato, isto é, o ano 65 a.C.


Os Romanos tinham três datas fixas: as Calendas, as Nonas e os Idos.
As calendas eram o 1º dia do mês, as nonas eram o dia 5 (ou 7, em Março, Maio, Julho e Outubro) e os Idos eram o dia 13 (ou 15, em Março, Maio, Julho e Outubro) de cada mês. Os dias contavam-se em função da data fixa seguinte, incluindo na contagem o dia em que se estava.

Assim, tendo Horácio nascido 6 dias antes dos Idos de Dezembro (e não estando Dezembro na lista dos meses em que calhava a 15, os Idos eram dia 13), contamos 6 números, incluindo o primeiro: 13, 12, 11, 10, 9, 8.

Portanto, à maneira de Roma, estamos hoje:
VI Idibus Decembris Josepho Sousa primo ministro, primo anno, secundo mandato.

06 dezembro 2009

Fama, boatos, rumores...

(imagem daqui)

No centro do Universo, entre a terra, o mar e as regiões
celestes, há um lugar, limite de três mundos, de onde
se vê o que esteja em qualquer parte, ainda que distante
dessas regiões. Toda a voz chega aí a ouvidos ávidos.
Aí mora a Fama, que escolheu para si lugar no ponto
mais alto da cidadela. Dotou a sua morada de inúmeros
acessos, de mil aberturas, e não pôs portas à entrada. Fica
aberta noite e dia. É toda de sonante bronze, toda retumba,
repercute as vozes e repete o que ouve. Não há sossego
em seu interior. Não há silêncio em parte nenhuma.

(imagem daqui)

Também não há gritos, mas murmúrios em sumida voz,
como costuma ser os das ondas do mar, se alguém
as ouvir ao longe, ou como o som que longínquos trovões
produzem, quando Júpiter faz ressoar negras nuvens.
Ocupa os átrios a multidão, populaça instável, vai e vem.
De mistura com a verdade, erram por toda a parte milhares
de invenções e boatos. Fazem-se ouvir confusas palavras.
Uns enchem com rumores ouvidos ávidos; outros contam
a terceiros o que lhes foi referido. Cresce a dimensão do falso.
Ao que ouviu, faz novo autor acrescer qualquer coisa.
De um lado está a Credulidade, do outro está o Erro
impudente, a falsa Alegria, o consternado Temor, a Sedição
repentina, os Sussurros de autoria duvidosa. A Fama
em pessoa vê o que sucede no céu, no mar e na terra,
e procura no Universo inteiro.

Ovídio, Metamorfoses, XII, 39-63. (Tradução de Domingos Lucas Dias, Vega, 2008, com a qual ganhou o prémio de tradução da União Latina daquele ano).

Veja como o barulho da Fama contrasta com o silêncio do Sono.