29 outubro 2008

Não ama verdadeiramente quem não amar sempre

Não ama verdadeiramente quem não amar sempre

Gosto dos episódios das tragédias.
Diz Aristóteles, na Poética, que o episódio «é uma parte completa da tragédia entre corais».
Em muitos destes diálogos estão os momentos de maior tensão, já que vamos assistindo ao evoluir das situações e às perguntas e respostas, muitas vezes entendidas apenas por nós, espectadores, que sabemos bem o que as frases querem dizer, ao contrário das personagens em cena. Recordo como Tirésias diz a Édipo que ele é o assassino que procura e como este não entende as palavras do adivinho, mesmo quando ditas com toda a clareza. São destes episódios que me lembro quando oiço/vejo os diálogos dos filmes com Humphrey Bogart, quando a resposta parece quase ser mais rápida que a pergunta.
Outra característica dos episódios são as frases lapidares, daquelas que apetece citar. Algumas tornaram-se mesmo proverbiais. Gosto de abrir uma tragédia qualquer e sublinhar, com o meu lápis-encontrador-de-belezas (roubado ao Gonçalo M. Tavares), uma frase ao acaso, descontextualizada, como hoje, de Eurípides, As Troianas, 1051, na fala de Hécuba (acusa ndo Helena):

Não ama verdadeiramente quem não amar sempre

27 outubro 2008

Comun(itar)ismo???


Cremes
: Vais aonde, se ainda não entregaste o que te pertence?

Homem: Para o jantar.

Cremes: Ah isso é que não vais, se ainda resta a essas mulheres uma migalha de bom senso! Só se tiveres levado primeiro a tua parte.

Homem: Está bem, pronto! Eu levo.

Cremes: Quando?

Homem: Não é por mim que a coisa deixa de se fazer, meu amigo.

Cremes: Ah não?

Homem: Há-de haver outros que ainda vão entregar depois de mim, podes ter a certeza.

Cremes: E vais jantar, mesmo assim?

Homem: O que hei-de eu fazer? É preciso colaborar com o Estado na medida do possível. É o que faz quem tem a cabeça em cima dos ombros.

Cremes: E se elas não permitirem, como é?

Homem: Eu mando-me de cabeça contra elas.

Cremes: E se te dão uma coça, como é?

Homem: Eu processo-as em tribunal.

Cremes: E se se rirem na tua cara, como é?

Homem: Eu ponho-me à porta...

Cremes: E o que fazes, ora diz lá!

Homem: ... e roubo a comida aos criados.

Cremes: Então vai lá, mas eu primeiro. (aos servos) E vocês, Sícon e Parmenão, toca a alombar com esta cangalhada toda.

Homem (prestável): Deixa estar que eu ajudo.

Cremes (que o afasta): Nem pensar! Receio bem que, na frente da chefe, ainda te armes em dono das minhas coisas. (Sai com os escravos carregados)

Homem: Cum raio! Tenho de arranjar uma saída, para conservar o que me pertence, e ao mesmo tempo partilhar com esta gentinha do bolo comum. Tenho uma ideia: basta que eu avance como eles, sem demora. (sai também)

Aristófanes, As Mulheres no Parlamento, JNICT, Coimbra, 1996. Tradução de Maria de Fátima Silva.

24 outubro 2008

Comun(itar)ismo

Praxágora: Bem, que nenhum de vocês me contradiga nem interrompa, antes de conhecer o meu projecto e de ouvir os meus argumentos.
Quero dizer-vos que é preciso que todos entreguem os seus bens para um fundo comum, para onde cada um contribua com a sua parte e de onde retire a subsistência. Não mais há-de haver ricos e pobres; nem uns a cultivarem propriedades enormes, e outros sem terem onde cair mortos; nem uns a terem ao serviço batalhões de escravos, e outros nem sequer um criado. O que eu quero estabelecer é um padrão único de vida em comum, igual para todos.

Bléfiro: Comum a todos... como?

Praxágora: Já a formiga tem catarro!

Bléfiro: Catarro?! Também vamos pô-lo em comum?

Praxágora: Nada disso! Levas o tempo a interromper-me. Ora dizia eu que a terra, antes de mais, vou torná-la um bem comum a todos; e também o dinheiro; e tudo que é propriedade privada. É deste fundo comunitário que nós, mulheres, vos vamos sustentar. É a nós que compete administrá-los com economia e bom-senso.

Bléfiro: E quem não for proprietário de terras, mas possuir dinheiro e ouro, bens que se não vêem?

Praxágora: Tem de os pôr no monte.

Bléfiro: E se não puser?

Praxágora: Incorre em perjúrio.

Bléfiro: Ora, ora! Já foi assim que eles os ganharam!

Praxágora: Mas seja como for, também não lhes servem para nada.

Bléfiro: Como assim?

Praxágora: Por necessidade, ninguém mais precisa de se mexer. Toda a gente vai ter tudo: pão peixe, bolos, casacos, vinho, coroas, grão-de-bico. Qual a vantagem de se não entregar os bens? Ora diz lá, se fores capaz!

Bléfiro: O certo é que, hoje em dia, são aqueles a quem não falta nada, os que mais roubam.

Cremes: Isso era dantes, meu amigo, quando vivíamos no tempo da outra senhora! Mas com agora - com a tal história do fundo comum - , que é que se ganha em não entregar?

Aristófanes, As Mulheres no Parlamento, JNICT, Coimbra, 1996. Tradução de Maria de Fátima Silva.

20 outubro 2008

um prémio

Informações sobre o Prémio Dardos

“Com o Prémio Dardos se reconhecem os valores que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc., que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Os selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.

Quem recebe o “Prémio Dardos” e o aceita deve seguir algumas regras:
1 - Exibir a distinta imagem;
2. - Linkar o blog pelo qual recebeu o prémio;
3. - Escolher quinze (15) outros blogs a que entregar o Prémio Dardos.”

A Teresa C., do Sem Pénis nem Inveja, agraciou-me com este prémio. Como não costumo colocar blogues em destaque, aproveito sempre estas oportunidades para o fazer. Não repito os que sei que já receberam, como o Funes, o A Curva da Estrada, o Claras Manhãs, ou o Bandeira ao Vento.
Assim, segue-se uma lista de blogues dos muitos que gosto de ler pelas razões mais diversas e, até, muitas vezes, opostas.

Ao rodar do tempo
As coisas são como são
Assim Mesmo
Cartas do meu moinho
Chá de letras
Combustões
Corta-fitas
Garden of Philodemus
Livro de Estilo
Não compreendo as mulheres
Onde Mudar
Oxiclista
Paixões e Desejos
Ponteiros Parados
Porta do Vento
Sem-se-ver

18 outubro 2008

Tragédia hip hop

(imagem daqui)

Ontem fiz uma viagem a ouvir hip hop, género que não conheço bem. Como a ignorância tem limites, fui informar-me e percebi que, afinal, conhecia os grupos e as canções, mas não os associava. Pensava que era tudo rap, como a maioria dos desinformados (que foi o eufemismo com que me trataram na wikipédia: «os mais desinformados costumam adotar os dois termos como sinônimos», se bem que a própria wikipédia, em inglês, diz assim: «Hip hop music, also referred to as rap music, is a music gente typically consisting of a rhythmic vocal style called rap which is accompanied with backing beats»).

(imagem daqui)

Foi no meu correio electrónico, numa antiga mensagem de Fevereiro, que encontrei
referência a uma versão hip hop californiana da tragédia Os Sete contra Tebas, de Ésquilo. O site da peça resume: Greek tragedy meets hip-hop in this new telling of a cursed family and society unsure of how to free itself from war. e na notícia do NCTimes, começamos por ler:

In ancient Greek tragedy, the Theban king Oedipus unwittingly fulfills an oracle's prophecy by killing his father and marrying his mother, which "kinda grossed everybody out, y'know"? And when Oedipus' two sons, Eteocles and Polynices, banished their father out of shame, he avenged his honor by "puttin' a curse on their ass."

Se estivesse por cá, iria vê-la.

17 outubro 2008

medos

(imagem daqui)

Assim falou; e eu dei-lhe a seguinte resposta:


"Ó Circe, como podes pedir-me para ser agradável contigo?

Tu que no teu palácio transformaste os meus amigos em porcos,

e a mim aqui reténs, ordenando-me que vá

para o tálamo e que suba para a tua cama,

de modo a tirares-me coragem e virilidade quando estiver nu.

Fica sabendo que não subirei para a tua cama,

a não ser que tu, ó deusa, ouses jurar um grande juramento:

que não prepararás para mim qualquer outro sofrimento."

Assim falei; e ela jurou logo, como lhe ordenara.

E depois que jurou e pôs termo ao juramento,
foi então que subi para a cama lindíssima de Circe.

Odisseia, X, 336-347

16 outubro 2008

sem rodeios

(imagem daqui)

Quem és e donde vens? Que cidade é a tua? Quem são os teus pais?

Estou espantada por teres bebido a poção sem estar enfeitiçado.
Nenhum homem jamais resistiu a esta droga depois que a bebesse
e que ela lhe passasse a barreira dos dentes.
Mas a tua mente não pode ser enfeitiçada.
És na verdade o astuto Ulisses, que sempre me disse
aportar aqui um dia o Matador de Argos, da vara dourada,
regressando de Tróia na sua escura nau veloz.
Mas repõe a tua espada, pois iremos agora
para a nossa cama, para que nos unamos em amor
e possamos confiar um no outro.

Fala de Circe, na Odisseia, X 325-335. Tradução de Frederico Lourenço.

15 outubro 2008

vestir o coração


Vulpes – Commodius fecisses, inquit, si eadem hora me revisisses. Nam si vel quarta postmeridiana hora venies, a tertia beata esse incipiam. Quo magis haec cedet, eo beatior esse mihi videbor. Quarta moveri ac sollicitari jam incipiam; sic quanti sit vita beata reperiam. At si tempore quovis venies, nunquam sciam quota hora me animo tanquam decorum vestitum induere oporteat. Sollemnia quaedam constitui opus est.
Regulus – Quid est sollemne quiddam?
Vulpes – Hoc quoque nimis obsolevit. Propter hoc dies quidam a ceteris diebus differt et hora quaedam a ceteris horis.

(versão latina de Augusto Haury que saiu na Harvest Book em 1985 , tendo sido editada pela primeira vez por outra editora em 1961)

Este Regulus não me convence muito... prefiro a versão francesa e a portuguesa (a da Alice Gomes) de O Principezinho:

- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas da tarde, às três já eu começo a ser feliz. À medida que o tempo avançar, mais feliz me sentirei. Às quatro horas já começarei a agitar-me e a inquietar-me; descobrirei o preço da felicidade. Mas se vieres a uma hora qualquer, eu nunca posso saber a que horas hei-de vestir o meu coração... São precisos ritos.

- O que é um rito?

- É também qualquer coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias, uma hora diferente das outras horas.

14 outubro 2008

Fernando Cabrita, poeta

Acabei de ouvir na Antena 2 que o meu amigo Fernando Cabrita, advogado aqui de Olhão, venceu o Prémio Nacional de Poesia Actor Mário Viegas.
Muitos parabéns ao poeta, mas não me surpreende.

O sol

Nos quartos que o sol visita

a sombra aos poucos
gentil e pressurosa lhe abre as portas
e se retira;
E vem a manhã com ele, fresca, bonita,
pôr-se à janela
de onde a cidade inteira mira.

Poema retirado deste livro:

13 outubro 2008

pelos seus 85 anos

(devia estar frio, na praia da Areia Branca)

a tua mãe, por exemplo, a idade pode ter-lhe dado sabedoria de muita coisa que nem tu de olhos arregalados vês, insistia ele. a tua mãe, que eu já a vi, acerta na corda da roupa sem olhar. é verdade, agarra nas roupas brancas e atira-as ao ar como se fossem para cair no chão, e elas ficam na corda pendendo meio para cada lado, exactamente o suficiente para não verterem dali e não se perderem de asseio.
(...)
sabe, senhor paulo, as mães são como lugares de onde deus chega. lugares onde deus está e a partir dos quais pode chegar até nós. porque só através delas nos encontramos aqui. e, por isso, não há mãe alguma que não mereça o céu, porque, em verdade, as mães transportam o céu dentro delas, e multiplicam-no a custo, como um ofício.

valter hugo mãe, o remorso de baltazar serapião, QuidNovi, 2006

(exemplos de outros postais sobre a minha mãe aqui e aqui )

12 outubro 2008

Por que tem sempre de doer?


Tal foi o desejo de amor, que me cobriu o coração

e cerrada treva derramou sobre meus olhos,
arrebatando do meu peito as débeis forças.
(Frg. 191)

Miserável, jazo atolado no desejo,
inânime, e penosas dores, por vontade dos deuses,
me percorrem os ossos.
(Frg. 193)

Arquíloco, daqui.

11 outubro 2008

Aceito...

(clique na imagem para aumentar)

... opiniões sobre a proposta de novo aspecto para o A Senhora Sócrates que o
Carlos muito simpaticamente fez. Estou sempre a dizer-lhe que lhe direi como quero e vou adiando, adiando, até que ontem ele surgiu com isto.
Digam-me o que pensam, amigos.

10 outubro 2008

Hoje, em Albufeira ...

... João Pedro Cunha (violino) e António Rosado (piano) tocam num espectáculo intitulado «As melhores sonatas de Beethoven.
Leia mais aqui.

Presente grego


«Receio os Dánaos, mesmo quando trazem presentes»


Com esta frase e por ter atirado uma lança ao cavalo que os Gregos introduziram em Tróia, Lacoonte condenou-se...

http://flickr.com/photos/roseruf/2335182209/

Lacoonte, sacerdote de Neptuno (...), sacrificava um enorme touro diante dos altares rituais. Eis senão quando duas serpentes (arrepio-me ao contá-lo!) (...) se alongam sobre o mar com os seus imensos anéis, dirigindo-se a par para a costa.
Os seus peitos erguem-se por entre as ondas e as suas cristas cor de sangue elevam-se acima das vagas; atrás a parte restante corta o mar e encurva o dorso imenso em circunvoluções.
Ouve-se um marulhar nas águas cheias de espuma.Já tinham alcançado os campos, com os olhos faiscantes raiados de sangue e fogo, e lambiam com as línguas vibrantes as bocas que silvavam. À vista disto fugimos cada um para seu lado sem pinta de sangue.
A primeira das duas serpentes, tendo envolvido os pequenos corpos dos seus filhos, enrosca-se em volta de ambos, devora-lhes os desgraçados membros à dentada, depois apanham-no a ele próprio, que acorria a socorrê-los de armas na mão e enleiam-no com as suas enormes espirais. E tendo-lhe envolvido por duas vezes a garganta com os seus dorsos escamosos, ficam ainda com os pescoços sobranceiros. Ele esforça-se por desfazer os nós com as mãos, com as faixas rituais manchadas pela baba e pelo negro veneno, ergue aos astros horrendos clamores, semelhantes ao mugido que solta o touro ferido (...).


Vergílio, Eneida, II, 201-224. Tradução coordenada por Luís Cerqueira e publicada em 2003 pela Bertrand Editora.


http://www.insecula.com/oeuvre/O0011967.html


http://oureboros.blogspot.com/2008/01/couple-of-maquettes.html


http://www.tigtail.org/TIG/S_View/TVM/X1/c.Mannerism/el-greco/el_greco.html


http://flickr.com/photos/susancarterhall/2051071764/

07 outubro 2008

se a A está com B e B está com C, A está com C

Durante a minha estada de seis meses em Cornell, em 2000, partilhei um apartamento com uma francesa que ainda hoje é minha amiga. Trabalhava em modelação molecular e de vez em quando lá ia ela, pela neve, ao laboratório, mesmo ao fim-de-semana, voir sa molecule bouger. Como agora trabalha no Instituto Pasteur de Paris, sinto-me, através dela, perto dos premiados com o Nobel da medicina.


06 outubro 2008

missões

(actualizado)

Tenho uma amiga que para o ano vai dar o seu mês de férias para ir trabalhar numa missão em Nampula, Moçambique, com a Irmã Assunção, da Comunidade das Irmãs de S. João Baptista. Com 70 euros por ano podemos apadrinhar uma criança, pagando com esse dinheiro as despesas escolares e os almoços. Um ano, por 70 euros... Ah, e precisam de alguém da área de informática que vá até lá para ajudar durante um mês. Não consegui pôr aqui o folheto explicativo, mas enviem um mail para
lenanunosorio@yahoo.com, que Nuno Osório dará todas as informações.

Um outro amigo pediu-me que divulgasse o blogue dos Padrinhos de Portugal. Por 85 euros trimestrais, o padrinho colabora na consecução dos objectivos deste projecto:

Objectivos:

Com este projecto o padrinho fica a assegurar as despesas de saúde, uma refeição diária – almoço – e educação: livros, cadernos, lápis, canetas, matricula e farda. Para além destas três vertentes, o projecto também cobre despesas com ateliers de informática, trabalhos manuais, apoio escolar etc... de forma que as crianças aprendam também matérias práticas que lhes possibilitem vir a arranjar mais facilmente um emprego no futuro.

05 outubro 2008

quando alguém nasce, nasce selvagem, não é de ninguém

Nas minhas domingueiras arrumações encontrei um livro de Chadwick (que usei bastante como fonte dos meus Hércules), The Mycenaen World. Percorro o livro em busca de sublinhados, numa espécie de auto-voyeurismo. Encontro (e traduzo):

No sistema grego [de atribuição de nomes], as mulheres usam o nome do pai em genitivo* se são solteiras e o do marido se são casadas; ainda hoje, na Grécia, permanece o hábito das mulheres casadas terem o apelido em genitivo.

*O genitivo é o caso que indica a posse (como o caso possessivo em Inglês).

04 outubro 2008

Teoria e jogo do duende

TEORIA E JOGO DO DUENDE

... Que estou aturdido
De gozos e fezes juntos.
S. Teresa d'Ávila

UMA HOMENAGEM

Estava sempre entre os anjos
Quando o vi
E não vi
A luz faz-nos
Saber quando é assim
Negra a aparecer
E desaparecer, aparecer
E desaparecer
Quando dançar
É ensaiar morrer

_______________
O filme escorre: há um pé enfaixado de menina chinesa,
um vento negro, um carro acidentado repetidamente.
Uma vez. Duas vezes. Três vezes... Depois perde-se a conta.
Há vastos lagos de leite fervilhante e uma atmosfera de perigo iminente.
Que dirias tu de viver ali?


(Pedro Luís Baltazar Vieira, 25/01/67- 4/10/2005

Faz 3 anos e estou furiosa

Durante muitos anos não usei tabuísmos (vulgo asneiras) no meu discurso. Muitos anos passados (lá para os trinta) comecei a perceber a sua força expressiva e a usar alguns.
Hoje só me apetece dizer asneiras, palavrões, chamar nomes.
Estou triste e furiosa.
....................................
Estou furiosa porque o Pedro morreu. Porque ele me faz falta. Porque choro ao ler as suas coisas. Porque acho que fiz tudo e se calhar não fiz nada.
Estou furiosa com ele porque ele morreu.
Mexo nas coisas que escreveu e nas que me escreveu.
Só me apetece dizer asneiras!

Maria
Eu se fosse a ti ia de férias uma semana, apaixonava-me esforçadamente e depois olharia MESMO para dentro do coração e analisaria friamente as amorosas saudades sentidas.
Pedro.

Não lhe dei ouvidos.
Fazes-me tanta falta, Manel!

02 outubro 2008

Muito riso e muito siso

O colóquio em Coimbra foi muito interessante, principalmente pela interdisciplinaridade. Achei curioso que quase todas as comunicações tivessem sido apresentadas com uma certa dose de humor. Foi agradável ver sorrir ou mesmo rir uma audiência acostumada a abordagens mais sisudas. Ali se provou que o riso e o siso não são necessariamente inversamente proporcionais.
Não vou resumir o que foi dito, pois isso está aqui. Vou apenas destacar a intervenção de João Nuno Corrêa Cardoso, presidente do Conselho Pedagógico (CP) da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, lugar privilegiado para este linguista conseguir alguns dos exemplos que usa na sua investigação, dado que por baixo da janela do gabinete CP reúnem-se muitos alunos, sendo as conversas que ouve um manancial de informações.
De ar sério, apoiado por divertidas folhas soltas ou estrategicamente dispostas na mesa, apresentou, sem ler, a sua investigação sobre tabuísmos.
Muito interessante e arrojado, pelo desafio que apresenta. Fiquei a saber que «vai badamerda» provém de um castigo medieval que mandava «lamber da merda». A nossa tendência para a economia da língua deu depois naquilo.
Acho que o mesmo já está a acontecer com o «'da-se», que daqui a uns tempos se escreverá «dasse» e ninguém saberá o que era originalmente, podendo ser usado em quase todos os contextos, como hoje acontece com «chatice».
Os investigadores de Coimbra não páram de me surpreender.