17 dezembro 2008

E os mitos gregos...

(Orestes a matar Clitemnestra. Imagem daqui)

«... para que servem?» _ perguntou-me. «A ficção de hoje tornar-se-á mito amanhã
Não penso que isso aconteça, pelo menos enquanto se conhecer a literatura com ela é, com autor identificado.
Os mitos não tinham autoria, tinham origem oral e cumpriam também funções na religiosidade das pessoas. Eram histórias de extensão variável, algumas com versões contraditórias, e aceites por uma comunidade como as suas histórias.

As bases em que os mitos eram construídos repetiam-se em diferentes narrativas:
- os pais que expõem o filho num monte para que venha a morrer, para evitar que um oráculo se cumpra, mas ele é salvo e vem a provocar a desgraça dos progenitores, como previsto pelo destino. Recordo-me de Laio e Jocasta que expõem o filho, Édipo, mas este mata o pai e casa com a mãe, como predito; ou de Príamo e Hécuba que expõem o filho Páris, mas este cumpre o oráculo que dizia que ele viria a ser a ruína de Tróia, ao raptar Helena de Esparta, dando início à Guerra de Tróia narrada na Ilíada.

Alguns destes elementos encontram-se também
noutras culturas:
- a virgem que tem um filho (ou mais do que um) de um deus, filho esse cujo desígnio é marcante para a Humanidade. Recordo-me de Reia Sílvia (virgem vestal), na cultura romana, que engravida de um deus (Marte) e o seu filho (Rómulo, depois de matar o irmão) vem a ser o fundador e primeiro rei de Roma; ou, na cultura judaico-cristã, lembro Maria (virgem), que tem um filho (Jesus) do seu deus (Deus/Jeová), vindo este filho a ser o fundador de uma das maiores e mais influentes (se não a maior e a mais influente) religiões do mundo.

Vem-me à memória a
criança abandonada num cesto nas águas de um rio: Moisés, no Egipto, e os gémeos Rómulo e Remo, em Roma, os animais que alimentam crianças, como a ursa que amamenta Páris, a loba que amamenta Rómulo e Remo ou a cabra que amamenta Zeus.

Os mitos gregos não cumprirão hoje nenhuma função, a não ser que nos lembremos deles e percebamos quão importantes podem ser na compreensão de uma das culturas que está nas nossas matrizes. João Canijo dizia ao JL (estou a citar de cor, pois a minha cadela rasgou o jornal - riam-se, riam-se) que usava estes mitos (nomeadamente Electra), porque são arquétipos e poucos mais foram inventados depois destes (refere Shakespeare, penso).

Os deveres chamam-me, mas ainda voltarei a este assunto.

6 comentários:

Rita F. disse...

Tanto que eu adorava o Perseu e a Andrómeda que tu me contavas... acho que gostava mais dos mitos gregos do que de contos de fadas (50-50, vá). E aquelas pinturas todas, aquelas togas... eu achava que a Grécia era assim, toda a gente de cabelo comprido, embrulhada em panos de muitas cores.
Eu acho que os mitos gregos são tão importantes. "Erros meus, má fortuna, amor ardente" é aquilo que eles nos mostram. Pelo a menos a mim, mostram.
Adorei este post, espero que voltes depressa a este assunto.
Beijinho.

Anónimo disse...

Parabéns pelo post e pelo Blog também, gostei daqui.
Abraços Literários, Marcos Miorinni

António Conceição disse...

No fundo, a humanidade concebeu seis ou sete histórias que glosa infinitamente, desde a Grécia. O cinema repete essas quatros ou cinco histórias. A desgraça de Hollywood é que tem vindo a reduzir a uma ou duas. Os trabalhos de Héracles é a mais comum. O herói grego chama-se agora Rambo, Chuck Norris, ranger do Texas ou exterminador implacável. Em vez de matarem hidras de Lerna e leões de Nemeia, ou de limparem estrebarias, os Héracles modernos fazem explosões de gasolina, cobrem precipícios dentro de automóveis indestrutíveis e saltam aos tiros por cima de telhados, matando mauzões a cada tiro, sem que nenhuma das 500.000 balas que contra eles disparam lhes acerte.
São menos românticos.

José Ricardo Costa disse...

Cá para mim essa história da cadela a rasgar o jornal provém igualmente de um arquétipo que vem do fundo dos tempos: a revolta do irracional face ao poder da civilização. Contudo, mal por mal, prefiro a sua cadela aos cães de Alexandria e aos cães de Berlim.

JR

Edgar V. Novo disse...

Abstraindo-me da discussão metafísica dos mitos, direi apenas que ainda bem que eles existem.

Deram, como dão ainda hoje, lugar às mais belas obras de arte da humanidade.

Teresap disse...

Gosto, gosto muito quando falas estas coisas.Volta depressa.
Algumas questões:Existem mitos modernos? Será que se\vão cosntruindo oa longo dos tempos, sem autoria, com tendência a glorificar pessoas e virtudes?
Por exemplo: D. Afonso Henriques e a cura do raquitismo por Nossa Senhora do Cárquere; Elvis Presley que muitos acreditam não ter morrido; Lady Di - símbolo de bondade e vítima de injustiças, como nos contos de fadas; D.Sebastião... etc.