19 dezembro 2008

Chamava-me Melusina


O meu pai tinha muita graça.
Não parecia, é verdade, pois em casa cumpria o papel que lhe havia sido reservado pelas matriarcas: o de pai. E o que era um pai? Alguém que estava fora o dia todo a trabalhar, vinha a casa às refeições, impunha respeito, fazia cumprir as regras e aplicava os castigos a pedido: «Nogueira, o menino bateu na menina» e o Nogueira lá ia e aplicava a sanção esperada ao menino amedrontado.
Na maior parte dos casos bastava que abrisse os seus grandes olhos para que todos nos encolhêssemos.
Um dia fiz-lhe frente (é assim com os mais novos) e disse-lhe que os olhos dele não me faziam medo (talvez porque os meus eram parecidos, grandes e redondos quando muito abertos). O verde acastanhou e vi tristeza. Mas só me apercebi disso mais tarde, pois na altura cantei a glória de o ver ficar calado com a minha ousadia, que apenas lhe fizera soltar um suspiro.

O meu pai contava-me histórias que me arrepiavam e outras de encantar. Uma delas começava assim:
«As fadas... eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...

Umas vivem nos rochedos,
Outras pelos arvoredos,
Outras, à beira-mar...


(...)


Eu sei o nome de algumas:

Viviana ama as espumas

Das ondas, nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha

Nos baptizados reais.


Morgana é muito enganosa;

Às vezes, moça e formosa,

E outras, velha, a rir, a rir...

Ora festiva, ora grave,

E voa como uma ave,

Se a gente lhe quer bulir.

Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,

Que dorme sobre um jasmim?

De cem outras cuja glória

Enche as páginas da história

Dos reinos de el-rei de Merlin?»


E continuava, continuava...
E às vezes chamava-me Melusina...

Tenho de admitir que só mais tarde (e com alguma desilusão) soube que não tinha sido ele o autor, mas um poeta que eu conhecia de outros versos: Antero de Quental.
O Assírio, da Vega (sim, foi esse quem deu o nome à Assírio & Alvim, sim), teve a bondade de me oferecer uma edição lindíssima (prenda em conta, que nem 10 euros custa), acabada de sair.
Já comprei outros para oferecer, pois sei de quem vai gostar.
Afinal, ele não era só meu pai...

17 comentários:

Anónimo disse...

Eu adorooooo este poema do Antero de Quental. Li quando era tb pequena. Achei maravilhosa a sua ideia de oferecer o livro, porque nem sabia que havia uma edição deste poema. Fiquei super contente. Acho que o meu filhote vai adorar levar o livro depois para a escolinha para a educadora ler. Muito obrigada pela ideia.
Beijinhos e Feliz Natal, cheio de muitas prendinhas.
Ana Paula

spring disse...

Lindo Post este! Fez-me recordar a minha avó, porque também ela me abria os olhos, quando eu era criança e de imediato ali ficava quieto, refugiando-me no primeiro livro que encontrava.
Beijinhos
Rui Luís Lima

Rita F. disse...

Tenho tantas saudades.
Eu também pensava que o avô é que tinha inventado a história. E até foi, porque se não fosse ele, eu não gostaria do poema como gosto nem me lembraria da infância desta maneira, com saudades.

Anónimo disse...

Sim, o Assírio Bacelar deu o primeiro nome. Mas o Alvim é do João Carlos Alvim. Assim é mais preciso.

Anónimo disse...

Que giro! Gostei muito! Lembro-me de estar sentada no balcão da loja e de ele me ensinar lengalengas. Uma delas era: "O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem!" Esta, como muitas outras, intrigavam-me. Provavelmente, será por isso que não as esqueci. E acabei por ensiná-la ao pai, que a escreveu num papel para a conseguir decorar, pois com tanta repetição da palavra "tempo", dizia sempre tudo ao contrário! Lol!

Obrigada por esta partilha!

Beijinhos grandes e as melhoras para o felino!

Anónimo disse...

Sim, o Assírio Bacelar deu o nome à Assírio & Alvim, mas é mais justo dizer-se que deu só metade, pois a outra metade pertence ao João Carlos Alvim... e o & há quem diga que era o José Ribeiro, da Ulmeiro, hoje editor da renovada Portugália. Aqui deixo esta informação, pedindo desculpa pela intromissão nas referências ao texto propriamente dito.

Anónimo disse...

Pois é, tal como lhe disse no post anterior, já comprei o livro e já o li para o meu filho (ele tem 4 anos). Adorou e levou-o para a escolinha. Tem um preço muito acessível e as ilustrações estão lindíssimas, para além de que o poema é mesmo muito bonito. Um beijinho e votos de boas festas.
Ana Paula

spring disse...

Olá Xantipa
Feliz Natal e Bom Ano 2009 para si, são os nossos votos sinceros.
Beijinhos
Paula e Rui Lima

Anónimo disse...

Uma vez fui lá almoçar convosco e discutia-se a dada altura o melhor adjectivo para para qualificar o porte majestoso do Leão, o Rei dos Animais. Éramos nós: "O leão..,com a sua... com a sua...", e não avançávamos.
O Pai Nogueira a dada altura, já cansado de tanta azelhice linguística, sai-se com um enérgico "Ó meninos, a sua imponência, a sua imponência!" :)
Confesso que me assustei um bocadinho, mas a partir daí não perdia as intervenções dele por nada deste mundo. Para mim ele passou a ser o mais imponente dos seres humanos do meu pequeno universo :)
Estou certo de que ele continua muito orgulhoso de ti. E mais imponente que nunca.
Feliz Natal, N. ;)

Artur R. Gonçalves disse...

A mim, quem me contava as histórias de fadas-gigantes, princesas-e-príncipes-encantados era mesmo uma tia-avó. Mas isso já foi há muito tempo... Que as fadas/fados te sejam propícios no próximo ano. E, já agora, bom Natal no B, tão pertinho da Lourinhã-Areia Branca, onde ouvia as histórias da minha tia-avó.

ana v. disse...

Um beijo e Bom Natal, Adriana.

carneiro disse...

passei aqui para te deixar um beijo.

Joaquim Moedas Duarte disse...

Olá, Adriana!

espero que não haja problemas graves... Continuas arredia destes sítios.

Venho deixar-te o meu desejo IMENSO de que 2009 te seja FELIZ!

Beijo, amizade, ALEGRIA!

A OUTRA disse...

Engraçado!
Afinal não sou só eu a sentimental!
Por muito que fizesse frente a meu pai, a admiração por ele era grande.
A prova está no Blog "Longe do Céu", Xantipa, no "Recordando o Passado em..."
Um Bom Ano para si
Maria

Gi disse...

Começo a ficar preocupada... Duas semanas sem um post, e notícias zero desde o Natal... Estás bem? O Mimi? A família?
Um beijo.

Anónimo disse...

É bem certo que o silencio pode inquietar e seduzir ao mesmo tempo.O silencio pode ser o quotidiano e a realidade a bastarem-se a si proprios, subitamente cheios e ricos de si.Mas pelo que conheço de si, pelas visitas que regular e anonimamente faço ao seu blogue de que tanto gosto, e onde de quando em quando lhe deixo uma palavra,parece-me mais ser o quotidiano e a realidade a portarem-se mal. Volte depressa para tranquilidade de todos os realmente preocupados que a costumam ler.É o meu voto de ano nove. Volte bem.

A OUTRA disse...

Xantipa:
Depois de ler este texto as recordações começaram a vir ao de cima, e lembrei-me de gente que conheci na minha infância, e até comecei a recordar os seus rostos.
Na minha terra esteve uma professora que tinha 4 irmãos.
Desta não me lembro o nome, mas lembro de 2 irmãs a quem o pai, professor também resolveu chamar "Belquisse", "Melusina", que eu conheci e me lembro perfeitamente dos rostos.
Eram de Faro, se não me engano, e também tinham um irmão, que vi uma vez mas cujo nome não me lembro.
O Senhor era, segundo me disseram, professor de história e apaixonado por todas aquelas figuras que, no seu encanto, a sua volta desfilavam.
Estou a ver que o Algarve tem muita influência na personalidade dos algarvios, talvez pela proximidade do Mediterrâneo.
Gostei, como gosto sempre de ler o que escreve.
Um abraço
Maria