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04 maio 2009

oximorices

Os leitores deste blogue sabem que o meu Pai me contava muitas histórias e historietas e que me recitava poemas. Também sabia muitas adivinhas, ditos engraçados e lengalengas, bem como trava-línguas e outros divertimentos linguísticos.
Aqui vai mais um, cheio de oxímoros:

Era noite e o sol brilhava por entre as trevas de um claro dia.
Um jovem ancião, sentado de pé, num banco de pau de cantaria, calado, assim dizia:
Era não era no tempo da hera, tinha o meu pai morto e minha mãe por nascer. Disseram-me que não podia ser. Pus as pernas às costas e abalei a correr.
Subi por uma escada abaixo e desci por ela acima. Lá em cima estava um pessegueiro carregado de maçãs. Colhi avelãs. Veio o dono dos marmelos e disse: «Ai, ladrão, deixa os meus figos que o meu pai tinha guardado para dar aos meus amigos!»

22 abril 2009

O Pai e a Joana


A menina fofinha, no meio dos primos, chama-se Joana e faz hoje 26 anos. Quando ela nasceu o meu pai (seu avô) fazia 70.

22 de Abril.
O meu pai sempre me disse que nascera no dia da descoberta do Brasil. Talvez por isso eu goste especialmente desta fotografia, tirada na Madeira, em 1995, com o Atlântico como fundo. Tinha 82 anos.

Esta fotografia é de Novembro de 2004, quando fiz a apresentação do meu segundo livro do Hércules no Bombarral. Lá está ele sentado na casa de costura, à janela. Tinha 91 anos e iria ficar connosco só até 11 de Janeiro seguinte.

Aqui era um jovem. Aliás, sempre pareceu jovem e muito mais jovem do que 1913 permitia pensar. Não tinha rugas e os dentes eram todos dele (não dos comprados, mas produto original).
Católico que vivia a Igreja, vicentino e outras coisas mais, um dia soube que foi galã em peças de teatro amador.
Contava-me muitas histórias e era mais divertido do que queria parecer.

18 janeiro 2009

Afinal não era literatura oral...

O meu pai contava-me histórias de terror, mas eu não tinha medo nenhum!
Devia ser porque ele era muito expressivo e eu ria-me.
Ouvi esta tantas vezes que a aprendi de cor.
Um dia, em conversa com o meu digníssimo colega Dias Marques ( JJ para os amigos), o homem da literatura oral (e agora das lendas urbanas - ops! lendas vivas é que é!), contei-lhe e ele conseguiu identificar o autor (tenho de lhe voltar a pedir a informação, pois não me lembro de quem era, apenas que era do séc. XIX).
Para mim era literatura oral. Cá vai:

Vem cá, meu Paulo, escuta: és amigo de tua mãe?
- Oh, minha mãe, que pergunta!
- Basta, meu Paulo, pois bem. Faz 20 anos – e dizendo, tira do seio um punhal - que teu pai morreu a golpe deste ferro, para meu mal, e eu, para vingá-lo, fiz uma jura fatal...
- Uma jura? Mãe santíssima! Oh, minha mãe, o que jurou?
- Jurei por este sangue, que em ferrugem se tornou, que tu matarias aquele que teu pai matou. Matas?
- Mato.
- Matas, seja quem for?
- Mato.
- Ainda que a vingança te tire ao seio o amor?
– Mato.
- Toma este ferro, é Ricardo o matador.
- Ricardo, o pai de Maria? Oh, minha mãe, perdoai...
- Pela amante o pai esqueces, filho ingrato? Parte, vai! Cumpre a jura ou sê maldito se não vingas teu pai.
Nessa noite, tinto em sangue e com os cabelos no ar, o assassino de Ricardo vai aos pés da mãe lançar o punhal com que jurara a morte do pai vingar.
Ri-se a velha de contente e abraça o vingador, mas eis senão quando aparece na porta uma estátua de dor:
- Paulo, meu Paulo, perdi meu pai, não vês? As lágrimas que aqui derramo assistiram ao seu fim. Quis falar-me e já não pode, com os olhos fixos em mim. Tu vingas-me, meu Paulo, sim?
- Vingo, Maria, sossega, eu sei quem teu pai matou, vai morrer com o mesmo ferro que ainda há pouco o transpassou.
E pegando no punhal no próprio peito o cravou...
Foge a triste espavorida, deixa Albano sem parar, chega a Roma ao outro dia, por toda parte a gritar:
- "Quem me mata por piedade, quem me acaba de matar?"
E assim vagueou três dias e ao quarto enlouqueceu.

Por isso o viajante, quando passa ao Coliseu, ouve a triste às gargalhadas, vingança pedindo ao céu!

19 dezembro 2008

Chamava-me Melusina


O meu pai tinha muita graça.
Não parecia, é verdade, pois em casa cumpria o papel que lhe havia sido reservado pelas matriarcas: o de pai. E o que era um pai? Alguém que estava fora o dia todo a trabalhar, vinha a casa às refeições, impunha respeito, fazia cumprir as regras e aplicava os castigos a pedido: «Nogueira, o menino bateu na menina» e o Nogueira lá ia e aplicava a sanção esperada ao menino amedrontado.
Na maior parte dos casos bastava que abrisse os seus grandes olhos para que todos nos encolhêssemos.
Um dia fiz-lhe frente (é assim com os mais novos) e disse-lhe que os olhos dele não me faziam medo (talvez porque os meus eram parecidos, grandes e redondos quando muito abertos). O verde acastanhou e vi tristeza. Mas só me apercebi disso mais tarde, pois na altura cantei a glória de o ver ficar calado com a minha ousadia, que apenas lhe fizera soltar um suspiro.

O meu pai contava-me histórias que me arrepiavam e outras de encantar. Uma delas começava assim:
«As fadas... eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...

Umas vivem nos rochedos,
Outras pelos arvoredos,
Outras, à beira-mar...


(...)


Eu sei o nome de algumas:

Viviana ama as espumas

Das ondas, nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha

Nos baptizados reais.


Morgana é muito enganosa;

Às vezes, moça e formosa,

E outras, velha, a rir, a rir...

Ora festiva, ora grave,

E voa como uma ave,

Se a gente lhe quer bulir.

Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,

Que dorme sobre um jasmim?

De cem outras cuja glória

Enche as páginas da história

Dos reinos de el-rei de Merlin?»


E continuava, continuava...
E às vezes chamava-me Melusina...

Tenho de admitir que só mais tarde (e com alguma desilusão) soube que não tinha sido ele o autor, mas um poeta que eu conhecia de outros versos: Antero de Quental.
O Assírio, da Vega (sim, foi esse quem deu o nome à Assírio & Alvim, sim), teve a bondade de me oferecer uma edição lindíssima (prenda em conta, que nem 10 euros custa), acabada de sair.
Já comprei outros para oferecer, pois sei de quem vai gostar.
Afinal, ele não era só meu pai...

22 abril 2008

(Grand) Father Clock


Apercebi-me disto na última vez que estive em casa dos meus pais: associo o meu pai às badaladas deste relógio que está na casa de jantar.
Quando entrei estavam a dar as nove no relógio da igreja. Reconheci, no arrastar que precede cada toque, que o nosso se preparava para dar também as suas horas.
E logo pensei no meu pai.
Não sei com que regularidade, mas lembro-me bem de o ver a dar-lhe corda, com uma chavinha, que ainda hoje está ao lado do relógio, que encaixava naquelas rodelinhas que se vêem no mostrador, junto ao 4 e ao 8.
Depois, levantava-o ligeiramente de uns dos lados até se ouvir «clic», e o tic-tac, interrompido durante a tarefa, recomeçava.
Tic-tac, tic-tac.
Faria hoje 95 anos.
Há três que não dá corda ao relógio. Mas não há por que o lamentar (a não ser por uma egoísta saudade), pois viveu bem e longos anos.
Apetecia-me ligar-lhe a dar os parabéns.
O que vou fazer é ligar à minha linda sobrinha Joana, que faz hoje 25. Se eu for como o avô dela, ainda há-de receber chamadas minhas por mais 50 anos!

02 janeiro 2008

O segundo dia do ano

O meu pai tinha coisas tão engraçadas!
Hoje era o dia em que me levava pela mão à estação de comboios para vermos passar o homem que tinha tantos olhos quantos dias tinha o ano...
E eu, de memória curta, lá ia, entusiasmada tentar ver essa proeza.
Mais tarde, acompanhei-o nessa aventura, levando os meu sobrinhos pela mão.
O meu pai tinha coisas tão engraçadas!

(publicado também na Taberna)