Mostrar mensagens com a etiqueta Ovídio. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Ovídio. Mostrar todas as mensagens

06 dezembro 2009

Fama, boatos, rumores...

(imagem daqui)

No centro do Universo, entre a terra, o mar e as regiões
celestes, há um lugar, limite de três mundos, de onde
se vê o que esteja em qualquer parte, ainda que distante
dessas regiões. Toda a voz chega aí a ouvidos ávidos.
Aí mora a Fama, que escolheu para si lugar no ponto
mais alto da cidadela. Dotou a sua morada de inúmeros
acessos, de mil aberturas, e não pôs portas à entrada. Fica
aberta noite e dia. É toda de sonante bronze, toda retumba,
repercute as vozes e repete o que ouve. Não há sossego
em seu interior. Não há silêncio em parte nenhuma.

(imagem daqui)

Também não há gritos, mas murmúrios em sumida voz,
como costuma ser os das ondas do mar, se alguém
as ouvir ao longe, ou como o som que longínquos trovões
produzem, quando Júpiter faz ressoar negras nuvens.
Ocupa os átrios a multidão, populaça instável, vai e vem.
De mistura com a verdade, erram por toda a parte milhares
de invenções e boatos. Fazem-se ouvir confusas palavras.
Uns enchem com rumores ouvidos ávidos; outros contam
a terceiros o que lhes foi referido. Cresce a dimensão do falso.
Ao que ouviu, faz novo autor acrescer qualquer coisa.
De um lado está a Credulidade, do outro está o Erro
impudente, a falsa Alegria, o consternado Temor, a Sedição
repentina, os Sussurros de autoria duvidosa. A Fama
em pessoa vê o que sucede no céu, no mar e na terra,
e procura no Universo inteiro.

Ovídio, Metamorfoses, XII, 39-63. (Tradução de Domingos Lucas Dias, Vega, 2008, com a qual ganhou o prémio de tradução da União Latina daquele ano).

Veja como o barulho da Fama contrasta com o silêncio do Sono.

11 setembro 2009

De papoilas, Ó Noite, é que eu precisava!

Night and Sleep, de Evelyn de Morgan.
(Imagem daqui)


Ou que o galo da vizinha cantasse mais tarde.


No 3º aniversário deste blogue, deixo-vos com O Sono.
Uma belíssima tradução de Domingos Lucas Dias, editada pela Vega, das Metamorfoses, de Ovídio (em dois volumes, bilingue).

No país dos Cimérios há uma caverna profunda, oca
montanha, morada e santuário do ocioso Sono, onde Febo
nunca pode chegar com seus raios, nem ao nascer,
nem a meio de seu curso, nem quando se põe.
(...)
Não há ruído de animais selvagens, nem de rebanhos,
nem de ramos agitados pelo vento, nem da altercação da voz
humana. Reina a muda quietude. Da raiz da rocha, contudo,
brota um ribeiro de água do Letes que, correndo murmurante
em leito de seixos rumorejantes, convida ao sono.

Frente à entrada da caverna, crescem incontáveis ervas
e a fecunda papoila de cuja seiva a Noite colhe um narcótico
que, com a sua humidade, espalha sobre a terra escura.

Para não ranger, ao rodar no gonzo, não há porta nenhuma
na casa toda, nenhum guarda à entrada. Mas, a meio
da caverna, ergue-se um leito de ébano, colchão de penas,
cor preta, coberto de negra colcha, onde o mesmo deus
se deita, dissolvido na preguiça. Em volta dele, ao acaso,
imitando formas várias, deitam-se tantos quiméricos
sonhos como espigas tem a messe, folhas tem a floresta
e grãos de areia tem a praia.

(Livro XI, vv. 592-614)

04 julho 2008

A idade do ouro

A primeira idade a surgir foi a de ouro. Sem justiceiro algum,
sem leis e de livre vontade, cultivava a lealdade e a rectidão.
Não havia castigos nem medo, nem palavras de ameaça (...)
e não havia trombeta direita, nem trompa curva de bronze,
nem capacetes, nem espadas. Sem precisão de soldados,
as gentes viviam numa ociosidade doce, livres de cuidados.
A própria terra, isenta de deveres, intocada
pela enxada,
ferida por nenhum arado, tudo dava espontaneamente. (...)
E, então, corriam rios de leite, então, rios de néctar,
e loiro mel
pingava do cimo da verdejante azinheira.

Ovídio, Metamorfoses, 89-112 (salteado). Tradução de Paulo Farmhouse Alberto para Livros Cotovia, Lisboa, 2007.

27 setembro 2007

«Disfarçar os defeitos»

A Arte de Amar, de Ovídio, está dividida em três livros, sendo os dois primeiros «dirigidos aos homens e o terceiro às mulheres. O primeiro visa, genericamente, ensinar o homem a seduzir a mulher; o segundo, a conservar o amor, depois de concluído, com êxito, o processo de sedução; o terceiro engloba o mesmo conjunto de ensinamentos, mas, desta feita, dirigidos à mulher.», diz Carlos André, autor da tradução publicada pela Cotovia.
Segue-se um excerto do livro III:

«Rara é a beleza que está livre de defeito; disfarça os defeitos
e, tanto quanto puderes, esconde as mazelas do teu corpo.
Se és pequena, senta-te, para, de pé, não pareceres sentada,
e estende-te, por pequena que sejas, no teu leito;
mesmo aí, para não poderem tirar-te a medida, quando estendida,
esconde os pés, lançando-lhes por cima o manto;
a que é delgada demais, vista roupa de pano grosso
e faça cair dos ombros um manto largueirão;
a que tem uma cor desmaiada traga no corpo riscados de púrpura;
se és morena em demasia, parte em busca da ajuda de tecidos de Faros;
o pé chato deve ficar sempre resguardado dentro de sapato branco e fino,
e pernas descarnadas não devem andar sem correias;
ficam bem pequenos chumaços em ombros altos;
à volta do peito raso deve sempre passar um corpete.
Deve acompanhar de gestos curtos tudo quanto disser aquela
que possui dedos gordos e unhas sujas;
a que tem mau hálito nunca fale em jejum
e guarde senpre distância do rosto do seu homem;
se tens dentes negros ou grandes ou tortos,
enorme é o teu prejuízo quando te rires.»
(261-280)

22 setembro 2007

Conselhos de Ovídio aos homens

Muitas vezes começa, porém, o fingidor a amar de verdade;

muitas vezes, aquilo que, no começo, simulara ser, veio a sê-lo mesmo.

Mais ainda por isso, ó mulheres, tornai-vos fáceis àqueles que fingem!

Há-de transformar-se em amor autêntico o que era, ainda agora, simulação.

É, então, hora de cativar o coração, sorrateiramente, com palavras meigas,

tal como a água corrente galga a ladeira da margem;

Não hesites em louvar-lhe o rosto, os cabelos

e os dedos esguios do pé delicado;

dá deleite, mesmo às mais castas, o pregão da sua beleza;

as donzelas cuidam da figura e ela dá-lhe prazer.

03 setembro 2007

Afinal, eles também usam este «recurso»...

(foto de Jim Richey, tirada daqui)


Também as lágrimas são úteis; com lágrimas, comoverás diamantes;
faz, se conseguires, que ela veja o teu rosto banhado de pranto;
se as lágrimas não aparecerem, pois nem sempre surgem no tempo certo,
esfrega os olhos com as mãos molhadas.

Ovídio, Arte de Amar, I, 657-660
Tradução de Carlos Ascenso André

15 junho 2007

Língua amarga...

A rectidão e a bondade, eis o que, em especial, cativa os corações;
A aspereza suscita o ódio e guerras cruéis.
Odiamos o falcão, pois vive sempre metido em guerras,
E os lobos, acostumados a atacar rebanhos amedrontados;
Mas vive livre das armadilhas dos homens, por ser mansa, a andorinha,
E a ave da Caónia* habita livremente as terras onde mora.
Longe daqui as contendas e os combates de uma língua amarga!

É de doces palavras que tem de sustentar-se a brandura do amor

* A pomba.

(Ovídio, Arte de Amar, II, 145-152)

19 maio 2007

A beleza é um bem frágil...

Apesar de Ovídio achar que todas as mulheres podem ser apanhadas nas redes dos homens (e que estão cheias de vontade que tal aconteça - ideia que me repugna aceitar), também diz coisas como estas:

A beleza é um bem frágil; à medida que vão avançando os anos,
Vai diminuindo e, por força da idade, vai murchando;
Não ficam todo o tempo em flor as violetas nem os lírios de pétalas abertas,
E a roseira, depois de cair a flor, enrijece os espinhos, que é o que lhe resta.
Também a ti, ó jovem esbelto, te hão-de chegar os cabelos brancos,
E logo virão as rugas sulcar-te o corpo.


Ovídio, Arte de Amar, II, 113-118 - espero que os meus alunos de Latim estejam a reconhecer o teste da passada quinta-feira)

15 maio 2007

Convencido, este Ovídio!

Antes de mais, tem confiança no teu coração de que todas
podem ser conquistadas; e vais conquistá-las; basta que estendas as redes.
(Ovídio, Arte de Amar, I, 269-270)

Só está perdoado porque também escreveu isto...

14 fevereiro 2007

Gerir a ausência e a saudade

Enquanto dá passos incertos o novo amor, deve buscar no uso as suas forças;
se bem o souberes alimentar, com o tempo ficará firme.
(...)
Faz com que se acostume a ti; nada tem mais força que a habituação;
até a alcançares, não fujas a nenhum dissabor;
(...)
Quando tiveres mais funda certeza de que pode ter saudades tuas (...)
dá-lhe descanso; o campo em pousio devolve com lucro o que lhe foi confiado,
e a terra árida absorve melhor a chuva que cai do céu.
(...)
Mas a demora sem risco tem de ser curta; amolecem com o tempo os cuidados,
o amor ausente desvanece-se, e um outro novo se vai insinuando.

Ovídio, Arte de Amar, II, 339-358. Sempre a mesma tradução.

28 outubro 2006

«Rituais do amor e do prazer» (Ovídio)

Eis que um leito acolheu, cúmplice, dois amantes;
diante das portas fechadas da alcova, ó Musa, sustém o passo!
Espontaneamente, sem a tua ajuda, palavras mil hão-de ser ditas,
e não se quedará inerte no leito a mão esquerda;
a hão-de os dedos inventar que fazer naqueles sítios
em que, às escondidas, mergulha as suas setas o Amor.
(…)
Acredita no que te digo: não deve apressar-se o prazer de Vénus,
mas sim, discretamente, fazer por retardá-lo e demorá-lo.
Quando descobrires o ponto onde a mulher se excita ao ser tocada,
não seja o pudor a impedir-te de o tocar;
verás os seus olhos a brilhar de fogo cintilante,
como, tantas vezes, o sol reflecte a luz na superfície da água;
far-se-ão ouvir queixumes, far-se-á ouvir um encantador sussurro
e doces gemidos e palavras apropriadas ao prazer.
Mas não deixes para trás a tua parceira, desfraldando mais largas velas,
nem seja mais rápido o ritmo dela que o teu;
avançai para a meta ao mesmo tempo; então será pleno prazer,
quando, par a par, jazerem, vencidos, a mulher e o homem.


(Públio Ovídio Nasão, Arte de Amar, II. 703-708, 717-728. A referência é a mesma desta aqui)

Este Ovídio sabia muito! Homens e mulheres, dêem-lhe ouvidos! E exclamem, como ele prório queria e pedia: «Nasão foi o meu Mestre!»

08 outubro 2006

Os Infernos - «Metamorfoses» de Ovídio

Há um caminho em declive, ensombrado pelo teixo funesto,
que, por inominados silêncios, leva às moradas infernais.
Por aí exala o inerte Estígio seus vapores, e descem as últimas sombras

e os espectros dos que foram dados à sepultura.
A Palidez e o Frio dominam esses hediondos lugares em toda

a extensão, e os novos manes não sabem onde é o caminho que leva
à cidade Estígia, onde está o terrífico palácio do negro Plutão.
A espaçosa cidade tem mil amplas entradas e portas abertas
por todo lado.
E assim como o mar recebe os rios de toda a terra, assim recebe

aquele lugar todas as almas. E não é apertado para povo nenhum,
nem se ressente com a chegada da multidão.
As sombras, sem carne e sem ossos, erram exangues.
Apinham-se umas no foro, outras no palácio do Senhor dos Infernos.
Cumprem outras algumas tarefas, imagem
da vida passada. O merecido castigo reprime a outra parte.

Ovídio, Metamorfoses, Livro IV, 432-446. Tradução de Domingos Lucas para a Vega.
Segue o convite para o lançamento, já na próxima terça-feira.