O que aqui lhe deixo não se lhe compara, mas é com boa vontade. Uma proposta, em Português, para o seu último postal.
Muitos prodígios há; porém nenhum maior do que o homem (1).
Este, com o tempestuoso vento do Sul, avança para lá do mar cinzento
e ultrapassa as grossas vagas que rugem à sua volta.
E cansa a infatigável Terra imortal,
a mais poderosa das divindades,
revolvendo-a com a raça dos cavalos,
de um lado para o outro com as charruas, ano após ano.
O homem muito hábil, enlaça a tribo de aves de voo ligeiro,
e leva, em redes bem tecidas a raça de animais selvagens e marinhos;
domina, com invenções engenhosas,
os animais dos campos que andam no mato;
e o cavalo de longas crinas é levado pelo jugo que lhe envolve o pescoço,
tal como o indomável touro montanhês.
Aprendeu a linguagem e o pensamento ágil,
os costumes civilizados,
e, pleno de expedientes,
aprendeu a fugir do gelo
e dos ataques da chuva importuna nos lugares descobertos
e que tornam difícil a permanência ao ar livre.
Não avança no futuro sem recursos.
Apenas ao Hades não poderá fugir;
no entanto, meditou com outros o modo de escapar
a doenças para as quais não havia recurso.
O saber engenhoso da sua habilidade inesperada pende
umas vezes para o mal, outras para o bem;
ocupa um lugar cimeiro na cidade,
confundindo as leis da terra e a justiça dos deuses,
confirmada por um juramento;
é indigno de viver na cidade se o mal se associa a ele,
devido à sua audácia.
Que não se sente no meu lar quem assim for nem seja meu amigo o que pratica tais acções!
Sófocles, Antígona, vv. 332-375
(1) A tradução deste passo é minha, se bem que a versão para Português do primeiro verso pertença a Maria Helena da Rocha Pereira, na sua edição da FCG.