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16 julho 2009

Sangue- Estudos de Antígona

(foto enviada pelo meu amigo Rui Viola)

Talvez por ter tido o privilégio de conhecer o grupo e o projecto ainda em embrião, achei que tinham chegado a um excelente resultado.

A verdade é que gosto muito de ver os textos antigos, ou melhor, as ideias dos textos antigos a reviverem através de novas palavras, actualizadas nas novas realidades. A peça tem diversos registos que coexistem, nem sempre pacificamente: um vídeo projecta, constantemente, imagens que nos desafiam a procurar a ligação que têm ao texto que ouvimos na representação dos actores, esse mesmo texto que está legendado a um canto do ecrã. Por vezes, é nesse pano de fundo que surgem as palavras que não são pronunciadas, mas representadas pelos actores. Um espectáculo que se poderia dizer multimédia sem qualquer depreciação.

Os três actores representam todas as personagens. Isto poderá não parecer nada de especial, visto que já Aristóteles nos disse que «Ésquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o número de actores (...). Sófocles introduziu três actores»(Poética 1449a18). Se repararmos bem, para além do Coro e do seu Corifeu, em cena nunca temos mais de três actores. Na Antígona, temos cenas com dois actores (Antígona e Ismena ou Creonte e Hémon) e outras com três (Antígona, Ismena e Creonte ou Creonte, Antígona e Guarda).
Então, qual a diferença?
Aqui, Sara Ribeiro faz, ao mesmo tempo, de Antígona e Ismena e João Pedro Santos faz de Creonte e Hémon. A princípio podia-se pensar que as legendas serviriam para ajudar a perceber quem era quem, mas a encenação e a representação estão de tal modo bem feitas que se vê lindamente a mudança de personagem.
A Isa Araújo é uma presença constante: guarda, corifeu, guia de Tirésias... com uma voz bem modulada e articulada, muda de registo nos diferentes papéis, bastante expressiva na sua (e de João Garcia Miguel)
interpretação da ode ao homem.

Faz parte da própria natureza deste tipo de espectáculo, em que um texto antigo é recriado e lido de outra forma, em diferentes suportes, não ser fiel ao texto. Mas nem é disso que se trata.
Alunos de teatro, mas já actores extraordinários!
Gostei muito deste Sangue-Estudos de Antígona, que gostaria de voltar a ver.
Dêem-me a vossa opinião!

26 dezembro 2007

Muitos prodígios há; porém nenhum maior do que o homem

O caríssimo Broto ofereceu-me um dia uma prenda linda.
O que aqui lhe deixo não se lhe compara, mas é com boa vontade. Uma proposta, em Português, para o seu último postal.

Muitos prodígios há; porém nenhum maior do que o homem (1).
Este, com o tempestuoso vento do Sul, avança para lá do mar cinzento
e ultrapassa as grossas vagas que rugem à sua volta.
E cansa a infatigável Terra imortal,
a mais poderosa das divindades,
revolvendo-a com a raça dos cavalos,
de um lado para o outro com as charruas, ano após ano.
O homem muito hábil, enlaça a tribo de aves de voo ligeiro,
e leva, em redes bem tecidas a raça de animais selvagens e marinhos;
domina, com invenções engenhosas,
os animais dos campos que andam no mato;
e o cavalo de longas crinas é levado pelo jugo que lhe envolve o pescoço,
tal como o indomável touro montanhês.
Aprendeu a linguagem e o pensamento ágil,
os costumes civilizados,
e, pleno de expedientes,
aprendeu a fugir do gelo
e dos ataques da chuva importuna nos lugares descobertos
e que tornam difícil a permanência ao ar livre.
Não avança no futuro sem recursos.
Apenas ao Hades não poderá fugir;
no entanto, meditou com outros o modo de escapar
a doenças para as quais não havia recurso.
O saber engenhoso da sua habilidade inesperada pende
umas vezes para o mal, outras para o bem;
ocupa um lugar cimeiro na cidade,
confundindo as leis da terra e a justiça dos deuses,
confirmada por um juramento;
é indigno de viver na cidade se o mal se associa a ele,
devido à sua audácia.
Que não se sente no meu lar quem assim for nem seja meu amigo o que pratica tais acções!

Sófocles, Antígona, vv. 332-375

(1) A tradução deste passo é minha, se bem que a versão para Português do primeiro verso pertença a Maria Helena da Rocha Pereira, na sua edição da FCG.