O meu pai tinha muita graça.
Não parecia, é verdade, pois em casa cumpria o papel que lhe havia sido reservado pelas matriarcas: o de pai. E o que era um pai? Alguém que estava fora o dia todo a trabalhar, vinha a casa às refeições, impunha respeito, fazia cumprir as regras e aplicava os castigos a pedido: «Nogueira, o menino bateu na menina» e o Nogueira lá ia e aplicava a sanção esperada ao menino amedrontado.
Na maior parte dos casos bastava que abrisse os seus grandes olhos para que todos nos encolhêssemos.
Um dia fiz-lhe frente (é assim com os mais novos) e disse-lhe que os olhos dele não me faziam medo (talvez porque os meus eram parecidos, grandes e redondos quando muito abertos). O verde acastanhou e vi tristeza. Mas só me apercebi disso mais tarde, pois na altura cantei a glória de o ver ficar calado com a minha ousadia, que apenas lhe fizera soltar um suspiro.
O meu pai contava-me histórias que me arrepiavam e outras de encantar. Uma delas começava assim:
«As fadas... eu creio nelas!Não parecia, é verdade, pois em casa cumpria o papel que lhe havia sido reservado pelas matriarcas: o de pai. E o que era um pai? Alguém que estava fora o dia todo a trabalhar, vinha a casa às refeições, impunha respeito, fazia cumprir as regras e aplicava os castigos a pedido: «Nogueira, o menino bateu na menina» e o Nogueira lá ia e aplicava a sanção esperada ao menino amedrontado.
Na maior parte dos casos bastava que abrisse os seus grandes olhos para que todos nos encolhêssemos.
Um dia fiz-lhe frente (é assim com os mais novos) e disse-lhe que os olhos dele não me faziam medo (talvez porque os meus eram parecidos, grandes e redondos quando muito abertos). O verde acastanhou e vi tristeza. Mas só me apercebi disso mais tarde, pois na altura cantei a glória de o ver ficar calado com a minha ousadia, que apenas lhe fizera soltar um suspiro.
O meu pai contava-me histórias que me arrepiavam e outras de encantar. Uma delas começava assim:
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...
Umas vivem nos rochedos,
Outras pelos arvoredos,
Outras, à beira-mar...
(...)
Eu sei o nome de algumas:
Viviana ama as espumas
Das ondas, nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha
Nos baptizados reais.
Morgana é muito enganosa;
Às vezes, moça e formosa,
E outras, velha, a rir, a rir...
Ora festiva, ora grave,
E voa como uma ave,
Se a gente lhe quer bulir.
Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,
Que dorme sobre um jasmim?
De cem outras cuja glória
Enche as páginas da história
Dos reinos de el-rei de Merlin?»
E continuava, continuava...
E às vezes chamava-me Melusina...
Tenho de admitir que só mais tarde (e com alguma desilusão) soube que não tinha sido ele o autor, mas um poeta que eu conhecia de outros versos: Antero de Quental.
O Assírio, da Vega (sim, foi esse quem deu o nome à Assírio & Alvim, sim), teve a bondade de me oferecer uma edição lindíssima (prenda em conta, que nem 10 euros custa), acabada de sair.
Já comprei outros para oferecer, pois sei de quem vai gostar.
Afinal, ele não era só meu pai...
Já comprei outros para oferecer, pois sei de quem vai gostar.
Afinal, ele não era só meu pai...