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15 dezembro 2008

Em Dezembro, com o ano a acabar


Borda d'Água


Em janeiro, conta os dias que faltam
para o fim do inverno. Em fevereiro,
goza o carnaval. Em março, não te
esqueças da quaresma. Em abril, solta

o sol da primavera. Em maio, as noites
são mais quentes. Em junho, atravessa
o solstício. Em julho, apanha os frutos
do verão. Em agosto, ouve as cigarras.

Em setembro não te importes com o
vento. Em outubro apanha as folhas do
chão. Em novembro não saias à noite.

E em dezembro, quando o ano acabar,
lembra-te que não fizeste nada disto,
e se fizeste terás de tudo recomeçar.

Nuno Júdice
in O Breve Sentimento do Eterno, Edições Nelson de Matos, 2008

18 novembro 2008

nesta semana sem tempo...

... em que só me lembro das palavras de Séneca e de como não me servem na correria em que ando, obrigo-me a parar e a ler um soneto do novo livro de Nuno Júdice, O Breve Sentimento do Eterno, que me foi oferecido, no sábado, dia 8, quando fui à sua apresentação na bonita livraria Pátio de Letras:

Tempo

Se corre devagar o tempo, e o tempo
não corre, em que relógio contarei
os segundos que se demoram quando as
horas se precipitam, ou o amanhã

que nunca mais chega neste hoje
que já passou? Mas o tempo só o é
quando o perdemos; e ao ver que
é tarde, não se volta atrás, nem

as voltas que o tempo dá o voltam
a fazer andar. Por isso é que o tempo
nos dá tempo para o ter, se ainda

houver tempo; e se tivermos de o perder,
nenhum tempo contará o tempo que se
gastou para saber o que se perdeu, ou ganhou.

01 julho 2008

«o amor vive na ponta dos cabelos»


PLUMAS


Através da terra o amor
torna-nos estranhos à terra
liga-nos a uma divina linhagem
com seu tormento inapagável
suas velocidades enormes

O amor vive na ponta dos cabelos

O amor, ditam os frios de coração, é ruinoso
qualquer momento em chamas denunciará a imprecisa inquietação que nos toma

Os inocentes que se amam dizem
teu corpo está a nevar
tua alma é uma flor
um prado tranquilo sua noite

Os inocentes que se amam
por seu tormento elevam-se
como plumas
num chapéu de passeio

José Tolentino de Mendonça, A Estrada Branca, Assírio & Alvim, 2005

No alto de uma pilha, reconheço algumas capas da Assírio. Pego num dos livros, lombada fina.
José Tolentino de Mendonça.
Não sei se é ser preconceituosa (glup), mas não deixo de me surpreender sempre que penso que este homem, que tão bem canta o amor, é padre!
Eu sei, eu sei. O amor de um sacerdote, sim... o amor de Cristo, pois... que até a Bíblia, claro... sim, e o Cântico dos Cânticos (que ele tão bem traduziu para esta mesma editora)...
Mas, que querem? Surpreende-me sempre.

28 maio 2008

«Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses»

Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...

José Gomes Ferreira

14 maio 2008

Chove

Chove...

Mas isso que importa!
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

(José Gomes Ferreira)