11 março 2009

Um título possível: vergonha na cara. Outro título: obras públicas. Outro título: extenuada. Enfim, não sei o que hei-de chamar a isto.

O título deste post remete para o que sinto e para o texto que vos trago.

Hoje tomei-me de coragem (gosto deste uso do verbo) e voltei ao blogue. Isto da vergonha é terrível: quanto mais o tempo ia passando maior ela ia sendo e eu sem saber como pedir desculpa a todos os amigos pela falta de notícias neste espaço. A única coisa boa é que a razão da ausência é o muito trabalho. O resto está bem (não contando com as mazelas próprias da idade, claro).

Andava eu à procura de qualquer coisa para escrever dia 8 e peguei em Plutarco, n' A Coragem das Mulheres. Encontrei aí, a propósito de uma outra heroína, a referência a uma mulher discreta e sem nome que, com uma frase inteligente, levou os homens da sua terra a terem vergonha na cara e a fazerem frente a um déspota que, tendo começado por lhe agradar, acabou por humilhar o povo que o tinha eleito.

Deixo-vos com Plutarco, que conta melhor a história que eu:

o tirano Aristodemo [governou em Cumas, na Itália, à volta de 502-492], de quem alguns, devido à sua alcunha de «Brando», pensam que de facto o era, mas desconhecem a verdade. (...) Nesta campanha militar [contra os Etruscos], que durou muito tempo, ele cedeu em tudo para agradar aos cidadãos que faziam parte da expedição e, mais como demagogo do que como general, persuadiu-os a juntarem-se para atacar o Senado e expulsar os melhores e mais poderosos. A partir de então tornou-se tirano, e nas injustiças para com as mulheres e jovens livres superou-se a si mesmo em perversidade. Conta-se que impunha que os jovens usassem cabeleira comprida e ornamentos de outro e que obrigava as raparigas a rapar o cabelo e a vestir trajos masculinos e roupa interior curta. (...)
Acontecia que, por aquela altura, Aristodemo abria um fosso à volta do seu território - uma obra que não era útil nem necessária - simplesmente porque desejava esgotar e extenuar os cidadãos com trabalhos e dificuldades. Com efeito, tinha sido ordenado a cada um que retirasse um determinado número de medidas de terra.
Uma certa mulher, ao ver que Aristodemo se aproximava, desviou-se do caminho e cobriu o rosto com a túnica. Quando o tirano se foi embora, os jovens riram-se dela e perguntaram-lhe, no gozo, por que razão o seu pudor a fizera evitar apenas Aristodemo, já que não tinha tal sentimento em relação aos outros homens. Mas ela respondeu com muita seriedade e disse: «Porque Aristodemo é o único homem entre todos os de Cumas».
Esta frase, dita deste modo, tocou-os a todos, e aos nobres de espírito, por vergonha, incitou-os mesmo a lutar pela liberdade.


(tradução de Maria do Céu Fialho, Paula Barata Dias e Cláudia Cravo, todas da Universidade de Coimbra e editada pela Minerva, em 2001)

6 comentários:

CPrice disse...

fabuloso!

Obrigada :)

e as ausências? mais que desculpadas*

Gi disse...

Muito bom!
Ou teremos que recorrer às armas de Lisístrata?

Anónimo disse...

É muito bom tê-la de volta,confesso que já tinha saudades.

Gostei muito do texto, às vezes é preciso uma mulher corajosa para fazer as coisas melhorarem.

Um abraço

nandokas disse...

Olá Adriana,
Excelente a subtileza da mulher...
E, de forma directa, chego aqui com coragem necessária para dizer-te que hoje deixei um desafio para ti no meu blogue. Dar-me-às o gosto de ires lá espreitar e aceitar?
Beijinhos

Adília disse...

A história de Plutarco é interessante, mas levanta-me reparos que quero partilhar. Plutarco oferece-nos a visão dos tiranos que haveria de ficar na história; esta, como sabemos é feita por quem vence. Ora os tiranos surgiram em luta contra as elites aristocráticas e alguns deles, como Aristodemo, aboliam as dividas e tiravam terras aos ricos para as entregar aos pobres. Pluarco tinha afinidades, amizades e cumplicidades com a elite aristocrática pelo que não é minimamente imparcial e a versão que nos dá dos tiranos é paralela à que Platão nos deu dos sofistas.
Por outro lado, o gesto da mulher, que parece querer exaltar, é dúbio, equívoco e ambivalente, enquanto símbolo de subserviência tão ao gosto da época pelo que não o escolheria como exemplo.
Que fique bem claro que não pretendo fazer a apologia da tirania mas tão só enquadrá-la no contexto em que ocorreu.

Xantipa disse...

Caraa Once, Gi e Cartas a Si,
Obrigada pelas palavras de simpatia!
:)
Beijinhos

Caro Nandokas,
Obrigada. Irei responder um dia destes, sim.
:)

Cara Adília,
Obrigada pelo seu comentário, que me mereceu alguma reflexão e necessidade de esclarecer alguns pontos. Provavelmente não fui muito clara na intenção que me moveu a escolher aquele passo, mas normalmente deixo mesmo assim, para que cada leitor entenda da maneira que quiser.
Contudo, como eu tinha, de facto, uma intenção comunicativa, lamento não ter sido entendida.
Espero que volte a este espaço e que continue a comentar.
Retomando os seus reparos, ao referir Platão, fala de um homem que conviveu com os sofistas (que eu muito admiro, pois em toda as actividades há os bons e os maus) e respeitou muitos deles. Por seu lado, Plutarco escreve sobre Aristodemo uns 400 anos depois, sem qualquer conhecimento de causa.
Plutarco terá usado as mesmas fontes de Dioniso de Halicarnasso para fazer a descrição de Aristodemo, em que ambos coincidem: é verdade que libertou o povo da aristocracia, matando todos os senadores e aristocratas, mas reduziu o povo à tirania, impondo-lhes a violência das suas ecisões, executadas pela sua guarda pessoal.
A imagem da mulher a cobrir-se perante um homem é obviamente a da tradição da época e, como tal, entendida pelos seus concidadãos. O que ela fez com aquele gesto foi mostrar que eles não estavam a ser homens, ao deixarem-se tiranizar, e por isso não mereciam ser tratados como tal.
Não está em causa o facto de as mulheres se cobrirem perante um homem ou mesmo o facto de Aristodemo forçar os rapazes a efeminar a aparência, para fazer a sua força de vontade mais fraca. Isto é, aquilo que era considerado um atributo feminino, a fraqueza, estava ali a ser representado pelo comportamento masculino.
Se me diz que ela podia ter agido de outra maneira para os incitar às armas, posso concordar (apesar das armas terem sido todas confiscadas pelo tirano), mas o que que queria mostrar não era isso.
O que ela fez foi levá-los a agir usando uma linguagem (o gesto que fez) que eles entenderam.
Pode ser que um próximo post seja mais feliz.
Mais uma vez, obrigada pela visita.
:)