21 junho 2009

inconsistência

Como os leitores deste blogue se terão apercebido, normalmente não uso este espaço para dizer mal. Para que queixar, sim (do mau serviço da Divani ou da TMN, por exemplo), mas má-língua, não.
Mas, por vezes, há coisas que me incomodam de tal modo, que penso: «Vou pôr no blogue», como se o blogue fosse o amigo a quem temos que telefonar sempre que nos acontece qualquer coisa. De bom, normalmente. De menos bom, por vezes.

Hesitei em escrever este desabafo, mas cá vai: incomoda-me muito a inconsistência. Pessoas inconsistentes. Ideias inconsistentes. Livros inconsistentes. Personagens inconsistentes.
Por razões que apenas a mim se devem, estou a ler um livro de um jornalista que escreve romances. Aquilo lê-se depressa, mas não sei se consigo continuar. Talvez o faça, para respeitar o meu «princípio da não-desistência», mas está difícil. Tive de parar.

Às vezes penso que gostava de ser daquelas editoras à americana que lêem os manuscritos e fazem os seus comentários, dialogando e discutindo com o autor, de modo a que este possa corrigir, reformular ou manter a sua decisão (que será forçosamente mais consistente, depois de ter tido de a defender). Uma editora que pudesse dizer ao autor:

«Já reparou que a sua personagem não é credível? Desde quando um professor universitário de História, consultor de entidades prestigiadas e selectas como a CIA, não sabe o que é a tundra? Ou, perante a informação de que a uma igreja que vê na praça Vermelha, em Moscovo, não é o Kremlin (ele não é um turista. É doutorado em História.), parece amuar, recusa-se a ver o complexo, recusando também a realidade, dizendo que, para si, aquela igreja seria sempre o Kremlin, «dissessem o que dissessem»? «Dissessem», quem? Os historiadores como ele. A realidade.
Uma atitude tão pouco sensata (para não dizer tão incongruente) não se adequa a um investigador.

Mais: um conhecedor profundo de línguas antigas, que sabe hebraico e grego, que conhece a cabala, que decifra enigmas, perante a necessidade de ler um único nome em russo (o nome de da cidade para a qual se dirige e que se encontra escrito no autocarro que necessita tomar) diz que não sabe cirílico? Impossível. Qualquer pessoa que saiba grego sabe ler a maioria dos caracteres cirílicos. É básico. Pode não reconhecer todas, mas muitas letras são semelhantes. Nunca se sentiria completamente a zero.»

Isto diria eu como editora à americana. Mas nem à portuguesa sou.
Parei aqui e ainda não consegui retomar.
Já não podia mais com as conversas que a personagem mantinha com outras personagens. Como pode alguém, contratado pela Interpol por ser o mais destacado na sua área, comportar-se como um imbecil, a quem é necessário explicar muitas vezes as mesmas coisas?
É bem-feita. Ninguém me mandou meter-me nestas leituras, até porque o livro nem faz parte da minha biblioteca.
Para me redimir, comecei agora mesmo a ler O Homem Lento, do Coetzee, e já me sinto recompensada.

6 comentários:

Tiago Taron disse...

O meu princípio da não desistência há muito que tem a sua fasquia nas primeiras cinquenta páginas ou nos primeiros quinze minutos de filme, a partir daí não existe desistência mas recusa de masoquismo.

TMR disse...

O Sétimo Selo é realmente mauzinho. E uma espécie de enciclopédia do Al Gore romanciada. Enfim...
A malta gosta, a malta lê. Nem sequer gastei dinheiro neste último que saiu. Havia de ser igual aos outros...

Cumprimentos

Cartas a Si disse...

Como a compreendo. Eu também não gosto de desistir de um livro, mas há um ou outro que nem sob ameaça se consegue ler.

Ler um livro é qualquer coisa de sagrado, há o toque do papel, o cheiro da tinta, a mancha gráfica... infelizmente hoje em dia a maior parte dos livros começa a falhar logo aqui, as edições são pobres e acabam por não cativar o leitor. O que também não ajuda nada é o texto cheio de gralhas ou apenas mal construído.

Lamentavelmente não consigo dispor de tempo para ler tanto quanto gostaria, ando há 2 meses para terminar O ARQUIPÉLAGO DA INSÓNIA do António Lobo Antunes e ainda não consegui, não por não gostar do autor, mas o cansaço ao final do dia é tanto que mal me consigo manter acordada.

Anónimo disse...

Surpreende-me que o tenha começado a ler. Com tanta literatura excelente, mesmo em português, ao seu dispor...

Xantipa disse...

Caro Tiago Teron,
A sua solução é excelente!
:)

Caro TMR,
Concordo consigo. Na verdade, nunca comprei nenhum livro dele...
:)

Cartas a Si,
Obrigada pelo seu comentário e partilha de experiência.

Caro Anónimo,
Tem razão.

redonda disse...

Gostei da crítica porque está escrita com sentido de humor