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11 setembro 2010

O auriga da Lusitânia

[C(aius) Appu]leius Diocles agitator factionis russatae / [nati]one Hispanus Lusitanus ...


Os participantes da Universidade de Verão que estiveram na sessão de 6ª-feira, entusiasticamente presentada pela minha colega Alexandra Mariano, sobre a língua latina, já quase que sabem traduzir isto:

O lusitano Caio Apuleio Diocles, de nação hispana *, auriga da equipa vermelha ...

(*temos aqui um bom exemplo do ablativo de relação, nesta tradução literal: «hispano no que respeita à nação»)

Pois é. Há muito que se sabia que Diocles tinha sido riquíssimo, mas só agora nos vêm dizer que foi o desportista mais rico de sempre!
Por aqui se vê que, quando o povo precisa de distracção e lhe querem dar apenas panem et circenses, os que contribuem para esse objectivo são muito, muito bem pagos.

Do jornal Económico de 7 de Setembro:

Desportista mais rico da história era Lusitano

Rui Barroso
07/09/10 13:00

Se o salário de Cristiano Ronaldo parece elevado, é porque ainda não conhece o condutor de quadrigas Gaius Appuleius Diocles.

Os milhões de Cristiano Ronaldo e até do golfista Tiger Woods, o desportista mais rico da actualidade, não se comparam aos prémios conseguidos por um condutor de quadrigas lusitano no tempo do Império Romano.

Segundo uma investigação da Universidade da Pensilvânia, citada pelo Expansión, o desportista mais rico de toda a história foi Gaius Appuleius Diocles, um condutor de quadrigas nascido na Lusitânia no ano de 104.

Segundo os investigadores, Diocles angariou qualquer coisa como 35,863 milhões de sestércios, a que corresponderiam actualmente 11,6 mil milhões de euros. A maquia amealhada pelo desportista luso era o suficiente para abastecer de cereais a capital do Império Romano durante um ano.

Diocles participou em mais de quatro mil corridas da "Fórmula 1" dos romanos, tendo vencido quase 1.500 dos desafios. Por 815 vezes liderou as corridas desde o início, em 67 vezes conseguiu a liderança nas últimas voltas e em 36 ocasiões sagrou-se vencedor mesmo na recta final.

O corredor lusitano tornou-se profissional aos 18 anos e morreu aos 42. Está sepultado em Roma. Na lápide estão inscritas as estatísticas da sua carreira.

Para quem quiser ler ficção sobre Diocles, pode ler este El Auriga de Hispania, de Jesús Maeso de la Torre.


02 abril 2010

Que lindo, o Latim!

Erri de Luca, um magnífico escritor em italiano, escreveu, no seu romance O dia antes da felicidade (Bertrand, 2009), p.54:

Divertia-me o latim, língua inventada por algum enigmatista. Traduzi-lo era buscar a solução. Não gostava do caso acusativo, tinha um nome feio. O dativo era bonito, o vocativo teatral, essencial o ablativo. O italiano era preguiçoso pois renunciava aos casos.

Hei-de começar por aqui, num próximo curso de Latim, onde acrescentarei:
«o nominativo sabe quem é quando ajudado pelo genitivo».


Depois explico o que tudo isto quer dizer, todos vão compreender e ver como é bonito e vão concordar que o português também é preguiçoso, porque só deixou casos nos pronomes pessoais.

Vá lá... não me acordem!

13 fevereiro 2007

Minister

Ouvia agora* na Antena 1 alguém dizer que não percebia a abstenção em Portugal, dado que é o terceiro referendo que se faz em que não se consegue menos de 50% de abstenções, nem percebia a falta de empenhamento político.
Eu acho que percebo a falta de empenhamento político.
Vejo-o no nos meus alunos, que são cidadãos votantes, vejo-o nos miúdos das escolas secundárias, à beira de o ser.
Quando vou fazer as palestras «A Magia das Palavras», «Lógica da Batata» ou «Tragédia Grega», tenho oportunidade de conversar com eles. E uma palavra que meto no discurso, quer venha a propósito (vem sempre n' «A Magia das Palavras»), quer não venha, é «ministro».
-O que é um ministro?
- Aldrabão! Mentiroso! - respondem invariavelmente.
Nessa altura preparo o discurso e digo que não. Que a prática que alguns ministros têm não pode ser generalizada para todos, que ser ministro, deputado, presidente da república, de câmara, de junta, etc., são cargos que todos nós poderemos um dia vir a ocupar. E que, para que eles, jovens, possam dizer que este ou aquele é mentiroso e aldrabão tem de estar informados, tem de conhecer a política do país, dos partidos, enfim, tem de aproveitar estes momentos únicos de aprendizagem que a escola lhes dá, de saberes que lhes vão ser úteis para toda a vida, desde a matemática ao português (os «monstros»), passando pela filosofia e a história, entre tantos outros, saberes que o vão tornar um melhor cidadão (e a ser menos «enganado»!)

E claro, explico que «ministro» vem do latim minister que significa «escravo, servo», palavra que, por sua vez, vem de minus, que significa «menos, muito pouco». O ministerium era o serviço atribuído a esses escravos.
Pois.

* Este postal foi escrito ontem, às 8.57, e não publicado por distracção!

15 janeiro 2007

ainda o gerúndio...

Ela: como é que o gerúndio é um nome? Explica-me.
Eu: Porque substitui um nome.
Ela: Qual? Como assim?
Eu: Substitui o infinitivo substantivado nos casos que este não tem. Substantivo= nome.
Ela: Exemplo?
Eu: «Errar é humano». Em Latim, «Errare humanum est», sendo aqui «Errare» um nome.
Ela: Ok. Percebi!
Eu: E o adjectivo «humanum» está na forma neutra, porque «Errare» é um nome neutro, e os adjectivos concordam em género, número e caso com os nomes.
Ela: ok...
Eu: tal como o gerúndio.
Ela: se clarificares isto talvez fique mais explicito porque dizes que o gerúndio é um nome, e o gerúndio que aparece é um verbo no infinitivo, isto é, em português.

10 dezembro 2006

«E sem Latim?»

Surripiado, foto inclusive, com a autorização do meu amigo André, no Cultura Clássica:

«Transcrevo a crónica de Jorge Silva Melo que saiu hoje no suplemento Mil Folhas do jornal Público (página 5).


"E sem latim?
Ainda naquela Rua Anchieta que, ao sábado, se ornamenta de preciosos livros, abro o belo volume negro dos "4 Poètes Portugais", edição (1970) da Gulbenkian e das Presses Universitaires de França, que acabo de encontrar.

Os meus amigos estrangeiros pararam, estávamos na esquina da Bertrand. Ávido, eu procurava, em Cesário, para lhes ler em voz alta e no local certo, o que ele diz da jovem actriz que sobe o Chiado revendo o seu texto ao ir para um teatro, que eram, todos, ali por perto. Mas, ao abrir, encontrei foi "O Sentimento de um Ocidental", não resisti, e li, em francês, os versos das "Ave-Marias". Há décadas que o faço, mal encontro um exemplar desses que nunca tenho, sempre ofereci (com selecção, tradução e prefácio de Sophia).

Lembro-me, há já quase trinta anos, da dificuldade que tive, nesta mesma esquina, em explicar a René Allio e a Christine Laurent o significado de "taciturnité", a rara maneira que o tradutor teve para verter a sorumbática "soturnidade" do poema de Cesário.

Mas, hoje, vejo o olhar parado de um dos meus interlocutores, homem que seria, há anos, de meia-idade, e, agora, ainda será jovem, entre os 30 e os 40 anos. "E porque é que se chama 'Angelus' esse poema?", acaba por me perguntar. Explico-lhe que é a tradução de "ave-marias", explico-lhe o que são, maneira de as igrejas anunciarem o cair da noite, o regresso a casa, o fim do trabalho. Ele, que até é homem culto, só se lembra de Millet, dois camponeses dobrados sobre o campo lavrado. "Mas porque é que um poema tão urbano como esse recorre à imagem do campo?" Já não tive tempo para o esclarecer que a noite cai no campo e também na cidade e que a igreja, onde está, onde chegou, o assinala, convidando ao recolhimento, tentando superar (naquela mesma hora em que, para os laicos, desperta) o "absurdo desejo de sofrer": os sinos da Igreja dos Mártires desataram a repicar, enchendo a agitada rua de uma canção que parecia não mais ter fim.

O meu interlocutor não tivera educação religiosa, para ele um sino é qualquer sino, não lhes entende a língua. E, mesmo no centro do Chiado, ignora para que tocam os carrilhões dividindo o dia nas suas tarefas e loas.

E ponho-me a pensar se haverá muitos portugueses (dos poucos que abrem livros) que, ao abrirem o Cesário, ainda sabem o que são estas "ave-marias" e porque assim se chama esta primeira parte do mais belo dos poemas. Já quase ninguém o sabe, aposto. Em próximas edições, haverá também para isso nota de rodapé, essa tremenda lápide que, em memória do sentido perdido, assinala as palavras mortas. Sim, que as palavras morrem e os livros vão-se enchendo de explicações que atestam o bom comportamento do defunto, os seus bons serviços.

Nunca pensei ter de explicar a alguém o que são, na divisão do dia, as "ave-marias", nem mesmo o "angelus" a franceses, muito menos pensei que teria de traduzir (como?) "Stabat Mater" (mas tanta gente me pergunta, que surpresa estranha, eis-me de outros tempos eu que me pensava tão de agora) e que, quando digo (e digo tantas vezes) "Ecce homo", o meu interlocutor talvez pense que estou a falar de alguma parada "gay".

Foi-se, com a vida, o latim da igreja, foi-se, das escolas, o latim. Até o de Virgílio, "lacrimae rerum". E como, na Assembleia, faria bem um pouco de Salústio ao falar-se das SCUT.
E nós, que "vivemos dos nomes" (estupenda sentença de Joyce que me recupera Antonio Tarantino), cá vamos falando, filhos de língua incógnita, vivendo ao lado de sinos que tocam sem sabermos porquê, deixando esvaírem-se as melhores das poesias, devolvendo-as aos fariseus que da vida nada sabem, prescindindo de saber.
Vem, agora, o Papa autorizar o regresso do latim ao eco sem nome das basílicas. Eu queria era que fosse nas escolas, onde a língua se molda, onde se deveria era buscar a forma para nomear esta ansiedade de se ser rapaz ou rapariga.

"Não se pode viver sem Rosselini!", berrava nas ruas o cineclubista apaixonado por Bertolucci. E sem latim, podemos?
Podemos ignorar o carrilhão que nos atropela a conversa, passar incólume ao lado dos fundamentos daquilo que pensamos, seguir o nosso caminho sem ver as pedras que os romanos (os escravos dos romanos, claro) transportaram, podemos ignorar tudo o que nos fez viver assim, bastardos, neste eterno presente nascido esta manhã na revista do dia? Podemos viver sem latim?

(E eu que nem bom aluno fui, ai como me arrependo.)"»

Colocado por André Simões, na sexta-feira, 17 de Setembro (a quem deixo um beijinho).

03 novembro 2006

Este é o pré-próximo post... lição de Grego... Ops!

Antes de passar para o significado daqueles nomes, vou ter de te dar uma pequena «ensaboadela» e explicar-te como funciona isto do Grego… os teus conhecimentos de Português (sim, de Português), de Latim, ou mesmo de Alemão, vão ajudar-te a perceber (não me lembro se sabes Alemão…).

Vou começar por falar daquilo a que se chamam os casos.
Em Grego, os nomes (e os adjectivos… e os pronomes...), vão mudando um pouco a sua forma consoante a função que exercem na frase, estando assim morfologia e sintaxe bem juntinhas…
Em Português, numa frase simples, quando colocas um nome antes de um verbo transitivo e outro depois, aprendeste a chamar sujeito ao primeiro e complemento directo ao outro, dizendo que o sujeito pratica a acção.
Depois dão-te uma frase passiva. Aí já não podes dizer que o nome antes do verbo pratica a acção… mas continuas a chamar-lhe sujeito. Sujeito passivo, mas sujeito.
Daqui se conclui que é a posição que as palavras ocupam nas frases que revela a sua função sintáctica, não é a sua forma, pois esta mantém-se inalterada (bem, um dia hei-de falar-te dos pronomes…)

Em Grego é essa «alteração» morfológica que indica o caso e, portanto, a função.

Daí que, quando enunciamos uma palavra – vou dar exemplos em Latim, língua que conheces melhor – nunca dizemos apenas dominus (senhor), mas dizemos também domini, ou apenas caput (cabeça), mas também dizemos capitis.
Isto porquê? Porque é mais fácil saber todas as formas que a palavra assume se tivermos estas duas!
Dizendo (enunciando) a forma que a palavra assume quando é sujeito (caso nominativo) e a forma que a palavra assume quando é complemento determinativo (caso genitivo), ficamos na posse da chave para todas as formas possíveis (ou funções possíveis) que a palavra pode assumir (portanto, ficamos na posse de toda a declinação).
Declinar (declinare, em Latim) significa «inclinar-se, dobrar-se».
Vem do Grego klino, «dobrar-se», palavra da família de kline (cama) e de klinokós (clínico, o médico que visita pessoas acamadas). Como o klinikós se dobrava sobre a cama… temos então o dito verbo…
E isto não tem de fazer confusão nenhuma, pois se tivermos a gramática da nossa língua presente, veremos que as nossas famílias de palavras funcionam exactamente assim!


Ora bem, declinar uma palavra é ir «dobrando-a» e «desdobrando-a» em várias, não deixando esta de ser a mesma! E casus é o particípio do verbo cair… Declinas as palavras («dobras» as palavras) e elas «caem» numa determinada forma!

Se em dominus não se percebe imediatamente a importância da enunciação (isso seria uma explicação para uma outra ocasião! Não posso fazer disto aqui um curso bloguítico de Latim e Grego!), se eu te disser que «capital» (a cidade que está à cabeça) vem de caput, não associas imediatamente. Mas se te disser que vem de caput, capitis, vês logo a semelhança de radical…

Tudo isto vinha a propósito de Teógnis
Bem… lá terá de ficar para o próximo post!