07 março 2007

A dor dos outros...

A dor dos outros, a dor dos que amamos, é terrível...
Não é catártica, se bem que nos purifique um pouco: começamos a olhar para a nossa vida e tomamos decisões (de que cedo nos esquecemos) de mudança de atitudes, de «carpe diem» e afins...
No final, continuamos com a nossa vidinha.
Sempre que alguém que amo está a sofrer, lembro-me de um conto do Yukio Mishima, «Patriotismo», penso. Faz parte de uma colectânea chamada Contos de Verão, acho. Falo de cor, porque é um dos livros que tenho encaixotados há anos...
Nesse conto, uma mulher assiste ao suicídio do marido, a pedido deste, e, enquanto ele enterra a lâmina no ventre, ela vê-o sofrer... mas não sente a dor.
Ai! As dores são individuais!
E isso dói-me.
Mas a nossa dor, a dor que sentimos pelo sofrimento dos que amamos não é a dor que eles sofrem.
Seria bom podermos hieraquizar o sofrimento: não vou sofrer agora pela minha perna que parti, porque alguém que amo está com um cancro.
Não posso. Sofro com a minha perna partida e, nos intervalos do meu egoismo, sofro com a dor do outro.
«Não se desperdiça comida, porque há quem passe fome», dizia o meu Pai.
Não percebia a ligação entre as coisas... aliás, até quanto mais comida eu deixasse, mais gente a podia comer...
Mas não. Como posso, moralmente, desperdiçar comida, não valorizar o que tenho, quando há quem não tenha e precise?
É como a dor dos que amamos: quando a deles é maior, de facto, a nossa perna partida torna-se um problema menor, porque se cura e vamos poder voltar a andar. E eles... quem sabe quanto mais vão poder viver? Rio-me da minha perna partida e valorizo o outro. Mas, no fundo, sei que estou limitada a ficar a ler dores que não sinto...

E os que lêem o que escreve
Na dor lida sentem bem
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

Fernando Pessoa, «Autopsicografia»

3 comentários:

Miguel G Reis disse...

«Não se desperdiça comida, porque há quem passe fome», dizia o meu Pai.
Não percebia a ligação entre as coisas... aliás, até quanto mais comida eu deixasse, mais gente a podia comer...
Mas não. Como posso, moralmente, desperdiçar comida, não valorizar o que tenho, quando há quem não tenha e precise?

Bom, o meu comentário é citar cristo: dar a quem precisa. Se não se precisa de algo, é dá-lo a quem dele tem falta, diria cristo. A dádiva é o valor em si mesmo, a justificação do indivíduo perante si.

Bom, como não sou cristão...
Fome todos temos, e damos quando podemos ou achamos que devemos.

Bom postal!!!
Beijinhos!
:)***

Anónimo disse...

E muitos, inconscientemente é certo, pensam ainda bem que não fui eu.

mas também nos arrepiamos, aquele arrepio que começa na barriga e vai pela coluna (espinha) acima.

Anónimo disse...

Nem sentimos a dor dos que amamos, nem de nada vale fingir que a sentimos, mas o que conseguimos, isso sim! é aliviar a dor dos que amamos, amando-os ainda mais.