Pilhas e mais pilhas. Encontro Eurípides e releio Alceste (tradução de Manuel de Oliveira Pulquério e Maria Alice Malça, Ed. Verbo, 1973). Tem partes mais trágicas e outras mais divertidas, mas sempre com a finura intelectual de Eurípides.
Vou deixando pedaços por aqui.Chegou a hora de Admeto, rei de Feras, morrer, coisa que não lhe agrada. Cobra, então, do deus Apolo, uma velha dívida e este embriaga as deusas do destino para que estas aceitam que morra outra pessoa em sua vez (se alguém aceitar tal troca). Todos se negam: pai, mãe, amigos. Só a mulher, Alceste, o faz. Apolo, mais uma vez, tenta a sorte para salvar a esposa do rei, junto da Morte.
MORTE
Ah! Ah! Porque estás tu ao pé do palácio? Porque andas aqui à volta, Febo? De novo cometes injustiça, usurpando e abolindo as honras dos deuses infernais? Não te bastou impedir a morte de Admeto, enganando, com ardilosa habilidade, as Parcas? E ainda agora, com a mão armada de arco, proteges esta mulher, que prometeu libertar o marido, morrendo por ele, a filha de Pélias!
APOLO
Está tranquilo: observo a justiça e tenho boas razões.
MORTE
Então que necessidade tens de arcos, se defendes a justiça?
APOLO
Estou habituado a trazê-lo sempre comigo.
MORTE
E a vires injustamente em auxílio desta casa.
APOLO
Aflijo-me com as desgraças de um homem amigo.
MORTE
Vais despojar-me de um segundo cadáver?
APOLO
Mas o outro não to tirei pela força.
MORTE
Então como está ele sobre a terra e não debaixo dela?
APOLO
Em troca dei-te a esposa que tu agora vens buscar.
MORTE
E que vou levar para os Infernos, para debaixo da terra.
APOLO
Toma-a e vai. Não sei se serei capaz de te persuadir.
MORTE
A matar o que me pertence? É a minha função.
APOLO
Não, mas a conceder um adiamento aos que estão para morrer.
MORTE
Compreendo agora o teu pensamento e o teu desejo.
APOLO
Há então maneira de Alceste chegar à velhice?
MORTE
Não; pensa que também eu me regozijo com as honras.
APOLO
De qualquer modo não vais levar mais do que uma vida.
MORTE
Quando os homens são jovens é maior a honra que eu granjeio.
APOLO
Mas, se morrer velha, será sepultada ricamente.
MORTE
A lei que estás a promulgar, ó Febo, é a favor dos ricos.
APOLO
Como dizes? Serás acaso sofista sem que se saiba?
MORTE
Comprariam a morte na velhice, aqueles que podem.
APOLO
Não estás então decidida a conceder-me este benefício?
MORTE
Certamente que não; já conheces o meu carácter.
APOLO
Sim: odioso aos mortais e detestado pelos deuses.
MORTE
Não poderás ter tudo aquilo que não deves.
Atenção: quem não quiser saber o fim não leia daqui para a frente.
Quase no final, Hércules (Héracles, em Grego) diz-nos o que vai fazer para recuperar Alceste e devolvê-la ao marido:
Quase no final, Hércules (Héracles, em Grego) diz-nos o que vai fazer para recuperar Alceste e devolvê-la ao marido:
HÉRACLES
(...) Irei espiar a Morte, a senhora dos mortos de negro manto, e hei-de encontrá-la, penso eu, junto do túmulo a beber o sangue das vítimas. E se eu me precipitar do meu lugar de emboscada e a apanhar, envolvê-la-ei com os meus braços e não haverá ninguém capaz de libertar os seus flancos doridos antes que me seja entregue a mulher. Mas se falhar esta presa, se ela não se aproximar da oferenda sangrenta, descerei aos Infernos, às sombrias moradas de Core e do Senhor, e farei a minha súplica. (...)
Quando a leva, finalmente, à presença de Admeto, não lhe diz que aquela mulher velada é a sua esposa e, indirectamente, conta-nos que foi a primeira hipótese que sucedeu, isto é, que foi mesmo andando à pancada com a Morte que recuperou Alceste:
HÉRACLES
(...) Chegou às minhas mãos à custa de muita fadiga. Encontrei uns homens que organizavam uns jogos públicos, digno objecto do esforço dos atletas, e destes jogos a trouxe, como prémio da vitória. Os vencedores das provas ligeiras ganhavam cavalos e os vencedores das provas mais pesadas, pugilato e luta, rebanhos de bois; para estes últimos havia o prémio suplementar de uma mulher. Ora, como eu me encontrava ali, seria desonra abandonar esta presa gloriosa. Portanto, como te disse, é a ti que confio esta mulher, que não roubei. Trago-ta, depois de a ter ganho com o meu esforço.
Quando a leva, finalmente, à presença de Admeto, não lhe diz que aquela mulher velada é a sua esposa e, indirectamente, conta-nos que foi a primeira hipótese que sucedeu, isto é, que foi mesmo andando à pancada com a Morte que recuperou Alceste:
HÉRACLES
(...) Chegou às minhas mãos à custa de muita fadiga. Encontrei uns homens que organizavam uns jogos públicos, digno objecto do esforço dos atletas, e destes jogos a trouxe, como prémio da vitória. Os vencedores das provas ligeiras ganhavam cavalos e os vencedores das provas mais pesadas, pugilato e luta, rebanhos de bois; para estes últimos havia o prémio suplementar de uma mulher. Ora, como eu me encontrava ali, seria desonra abandonar esta presa gloriosa. Portanto, como te disse, é a ti que confio esta mulher, que não roubei. Trago-ta, depois de a ter ganho com o meu esforço.
4 comentários:
Que maravilha:a Xantipa a acordar pela fresquinha e a citar um clássico cheio de frescura...
Obrigado pelo esforço. Os clássicos esperam-me, eu sei. Tenho-os ali, volta e meia folheio, a tomar balanço...
Fica bem!
mais uma, pequena, história de Hércules, e com o cheirinho a jogos olímpicos que estão quase aí... bem que na altura deste herói eram bem diferentes... mas também a forma de politicar era bem diferente.
Como sempre, uma resenha bem contada! Um manancial de conhecimentos que transmite e nos obriga a pensar... e a ler!
E como gosta de outros saberes e tem muita sensibilidade, sugiro-lhe que veja o vídeo de Benjamin Zander, que refiro no meu sítio.
(perdoe o atrevimento, mas penso que irá gostar).
Um abraço.
Caro Méon,
Gosto que gostem do que gosto e não me canso de mostrar os «meus» clássicos.
:)
QJ
A forma de politicar, em muitas coisas, era bem parecida. Nas más coisas.
:(
Caro Tony,
Diverti-me muito com o B. Zander!
Obrigada!
:)
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