21 maio 2007

Como citar a Bíblia

Nunca pensei um dia ter de ensinar como consultar e citar a Bíblia.
Contudo, nas aulas de Matrizes Culturais Europeias, onde a Bíblia não pode deixar de ser um dos livros a ler (ou, pelo menos, a ir lendo) e a saber consultar, verifiquei que alguns alunos nunca tinham sequer aberto uma bíblia (não vou falar das implicações que isto tem no entendimento do mundo actual) nem, naturalmente, a sabiam consultar.
Ora bem, aqui já se disse
como citar Platão, como citar poesia grega e latina (numa próxima segue-se «como citar Aristóteles») e agora temos «como citar a Bíblia».
A Bíblia é composta por vários livros que, por sua vez, estão divididos em capítulos e estes em versículos.
A numeração da página que cada edição tem não serve de referência, mas sim a indicação do nome do livro e o número do capítulo e do(s) versículo(s).
O nome dos livros tem uma forma abreviada por que é conhecido e que se encontra numa lista no início da Bíblia. Podem ter numeração romana, quando se dividem em mais do que um.
Os capítulos têm nomes que ajudam a reconhecer o assunto.
Os versículos são marcados por numeração árabe que surge antes de cada um deles. Cada versículo conter uma ou mais frases, ou apenas frases e períodos parciais, dado que foram divisões introduzidas com alguma arbitrariedade.
A edição que uso é a dos Missionários Capuchinhos, da Difusora Bíblica. Algumas destas indicações que se seguem são comuns à maioria das bíblias:

No cabeçalho de cada página surge o nome do livro, bem como o número do capítulo, ajudando assim a situar o que se procura.
No corpo do texto, o capítulo (tanto o número como o nome) aparece em negrito e os versículos em tamanho muito mais reduzido (como tentei reproduzir aqui, sem muito sucesso).

Assim, se eu escrever Cant.I. 1, 2-3, é suposto que se leia «Primeiro Cântico dos Cânticos, capítulo 1, versículos 2 e 3» e que, em qualquer parte do mundo e em qualquer língua, se reconheçam estas palavras:

2 Ah! Beija-me com ósculos da tua boca!
Porque os teus amores são mais deliciosos que o vinho,
3 e suave é a fragância dos teus perfumes;
o teu nome é como perfume derramado:
Por isso te amam as donzelas.

Boas leituras!

5 comentários:

António Conceição disse...

Eu já lhe disse que o "Cântico dos Cânticos" é, literariamente falando, o texto mais fraquinho de toda a Bíblia?

Mas obrigado por nos ensinar a citar. É, mais uma vez, serviço público em estado puro.

Xantipa disse...

Não me disse, não, caro Funes, mas a escolha deste texto tem uma razão de ser: surpreende sempre os meus alunos o facto de serem como duas longas cartas de amor.
Obrigada pelo comentário!
:)

António Conceição disse...

Bem, cara Xantipa, justifico-me com a transcrição de um post que coloquei no meu blog no dia 19 de Julho de 2005:

Quando eu era novo, as pessoas casavam pela Igreja e os costumes eram sólidos. O padre que testemunhava o sacramento escolhia a leitura e a leitura era sempre a "Epístola de S. Paulo aos Efésios":
"Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da Igreja, sendo Ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos. Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a Igreja, e a Si mesmo se entregou por Ela".
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Depois, os costumes dissolveram-se, as mulheres deixaram de sujeitar-se aos maridos, os maridos deixaram de amar as mulheres e os padres começaram a ter vergonha das epístolas de S. Paulo.
O Vaticano apelou então à participação dos leigos. Os padres puseram os nubentes a escolher as leituras do casamento. Os nubentes, que nunca tinha lido nada e não queriam escolher nada, passaram a escolher a leitura que o padre escolhia e a leitura passou a ser sempre o "Cântico dos Cânticos":
"As colunas das tuas pernas são como anéis
trabalhados por mãos de artista.
O teu umbigo é uma taça arredondada,
que nunca está desprovida de vinho.
O teu ventre é como um monte de trigo
cercado de lírios.
Os teus dois seios são como dois filhinhos
gêmeos duma gazela.
O teu pescoço é como uma torre de marfim.
Os teus olhos são como as piscinas de Hesebon,
que estão situadas junto da porta de Bat-Rabim.
O teu nariz é como a torre do Líbano,
que olha para Damasco.
A tua cabeça levanta-se como o monte Carmelo;
os cabelos da tua cabeça são como a púrpura
um rei ficou preso às suas madeixas.
Quão formosa e encantadora és,
meu amor, minhas delícias!
A tua figura é semelhante a uma palmeira.
Eu disse. Subirei à palmeira,
e colherei os seus frutos.
Os teus seios serão, para mim, como cachos de uvas,
e o perfume da tua boca como o das maçãs."
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Um tio da noiva que andou no seminário explica agora que o poema é muito erótico e os convidados comentam entre si que aquele padre é muito moderno e não é um chato como os outros.
Os padres agora são todos muito modernos e nunca são uns chatos como os outros.
Feliz, a noiva pensa que a coisa deve ficar bem no vídeo.
O noivo só pensa que a sua noiva já não lhe apetece tanto como apetecia e deita um olhar de soslaio à amiga de vestido coleante que serve de madrinha.
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O "Cântico dos Cânticos" - com o seu umbigo feito taça de vinho, o seu ventre metamorfoseado em monte de trigo, os seios feitos filhinhos de gazela e os olhos reduzidos a poças de água - é, evidentemente, um texto de rurais cujo pensamento não é capaz de se elevar acima da corte do gado ou do pasto das ovelhas.
Pode ter sido escrito pelo rei Salomão. Pode ter sido escrito por Miguel Torga.
Não foi seguramente escrito sob inspiração divina.

JSC disse...

Querida Xantipa,
é mais um triste sinal da decadência de uma civilização! Nem o seu "texto fundador" conseguem ler!
J.

Xantipa disse...

Pois é verdade...
Sabe o que me disse um aluno, à pergunta do porquê de um quadro se chamar «Natividade» (Paula Rego, com uma mulher a dar à luz, um anjo e duas vaquinhas ao fundo)? «Porque as pessoas retratadas são nativas», foi a resposta.
:(
Um abraço