20 setembro 2009

Pelo que diz Sócrates, somos todos sensatos...

Ora o maior dos castigos é ser governado por quem é pior do que nós, se não quisermos governar nós mesmos.
É com receio disto, me parece, que os bons ocupam as magistraturas, quando governam; e então vão para o poder, não como quem vai tomar conta de qualquer benefício, nem para com ele gozar, mas como quem vai para uma necessidade, sem ter pessoas melhores do que eles, nem mesmo iguais, para quem possam relegá-lo.
Efectivamente, arriscar-nos-íamos, se houvesse um Estado de homens de bem, a que houvesse competições para não governar, como agora as há para alcançar o poder, e tornar-se-ia então evidente que o verdadeiro chefe não nasceu para velar pela sua conveniência, mas pela dos seus súbditos. De tal maneira que todo aquele que fosse sensato preferiria receber benefícios de outrem a ter o trabalho de ajudar ele os outros.


Platão, República 347c-d.
Sempre esta tradução.

19 setembro 2009

PIDE/DGS

(imagem daqui)

Há pouco apanhei um susto.
Recebo uma mensagem e vejo DGS. DGS?
PIDE/DGS? Ainda há isso?


Tinha 7 anos no 25 de Abril, mas a parte anti-fascista da minha família encarregou-se de nos (a mim e aos meus irmãos) comprar uns livros (não sei onde isso andará. Talvez pelo sótão da casa dos meus pais) com uns desenhos (não eram bem banda-desenhada, mas andavam lá perto) em que se viam mulheres a ser torturadas com pontas de cigarros que uns homens usavam para lhes queimarem os mamilos.

Era a DGS a tratar-lhes da saúde.

Ora quando hoje a DGS me mandou uma mensagem, quase gelei.

Era sobre a gripe. Para eu redobrar os cuidados de higiene e evitar contagiar outros.
Não vou desobedecer.

Nestas alturas percebemos o quanto certas situações (frases, atitudes) nos marcaram. Nunca mais me tinha lembrado das torturas que vi naqueles desenhos a preto e branco e tão claramente os revejo agora por causa de um sms da Direcção Geral de Saúde.

17 setembro 2009

Democracia, há 2500 anos

Isonomia - igualdade de direitos
Isegoria - igualdade de falar, de dizer a sua opinião - liberdade de expressão.
Isocracia - igualdade no poder

«Os Atenienses gabavam-se de possuir isonomia, isegoria, isocracia - igualdade de que apenas os cidadãos eram detentores.»

Apesar de apenas entre 10% e 15% serem considerados cidadãos atenienses, as três categorias legais da sociedade (cidadãos, metecos e escravos) «não correspondiam a classes sociais nem eram estanques; os elementos podiam passar de uma a outra».
E em relação à democracia, como reagiam? Uniam-se, para a defender, como se pode ver em 404/403, quando lutaram ao lado dos democratas, para tentar impedir a vitória daquele que ficou conhecido como o Governo dos Trinta Tiranos.

(As aspas são citações de José Ribeiro Ferreira, do seu livro Democracia na Grécia Antiga, editado em Coimbra pela Livraria Minerva, decorria o ano de 1990).

15 setembro 2009

Ai... Sow dad

(foto daqui)

Numas (poucas) aulas que dei este verão de cultura portuguesa no curso de PLE que a minha faculdade oferece em Agosto, falámos (tinha de ser) da saudade. Como eram alunos de um nível avançado, foram eles que trouxeram o tópico para a conversa e todos concordámos que a saudade não é um exclusivo dos portugueses (pelo que se pode ler nesta comovente história, nem dos humanos).
Numa das aulas, um aluno do curso, um senhor britânico, com um excelente humor, radicado em Portugal há mais de 25 anos, deu-me uma folha com o seguinte, dizendo algo como «estas foram as palavras de que me lembrei. Nós também temos saudade». É com a sua autorização que as publico aqui no blogue:

SOW DAD
(Father of a female pig)

Yearning
Nostalgia
Longing
Melancholy
Atrabilliousness

13 setembro 2009

Escolaridade obrigatória ao 12º ano: "uma boa dose de candura"

René Magritte
(imagem daqui)


Isto não é um comentário à decisão de aumentar a escolaridade obrigatória até aos 18 anos nem à afirmação de que "todos devem passar pela escola" (diferente de a escola deve passar todos, entenda-se).

Além do propósito de dar a toda a gente tanta educação quanto possível, posto que a educação, em si, é desejável, existem outros motivos que afectam a legislação educativa, os quais podem ser de elogiar, sem falar nos que, muito simplesmente, se limitam a reconhecer o inevitável e só mencionamos como lembrança da complexidade do sistema educativo. Um dos motivos, por exemplo, para elevar o limite de idade da escolaridade obrigatória é o louvável desejo de proteger o adolescente e de o fortalecer contra as mais degradantes influências a que se expõe ao entrar no mundo do trabalho. Esse motivo exige de nós uma boa dose de candura. Na verdade, em vez de afirmar que toda a gente beneficiará com mais anos de ensino, o que é duvidoso, devíamos confessar que as condições de vida na moderna sociedade industrial são tão lamentáveis e as restrições morais tão débeis que devemos prolongar a educação da juventude só por não termos a menor ideia do que fazer para a salvar. Em vez de nos felicitarmos pelo nosso progresso, sempre que a escola assume mais uma responsabilidade que até então pertencera aos pais, faríamos melhor se confessássemos que chegámos a uma fase da civilização na qual a família é irresponsável, ou incompetente, ou indefesa, e em que não podemos esperar que os pais formem os filhos adequadamente (...).

T.S. Eliot,
Notas para uma Definição de Cultura, Lisboa, Século XXI, 1996
.
Publicado pela primeira vez em 1948, confirmado pelo autor em 1961.

12 setembro 2009

Sim, sou eu

Sim, esclareço a todos os que perguntaram (já vi que há muita gente a ler a revista e os suplementos): sou eu a Adriana Nogueira que é citada no Caderno Especial que a Visão publicou esta semana («Formação em Linha», p. 20-23).

11 setembro 2009

De papoilas, Ó Noite, é que eu precisava!

Night and Sleep, de Evelyn de Morgan.
(Imagem daqui)


Ou que o galo da vizinha cantasse mais tarde.


No 3º aniversário deste blogue, deixo-vos com O Sono.
Uma belíssima tradução de Domingos Lucas Dias, editada pela Vega, das Metamorfoses, de Ovídio (em dois volumes, bilingue).

No país dos Cimérios há uma caverna profunda, oca
montanha, morada e santuário do ocioso Sono, onde Febo
nunca pode chegar com seus raios, nem ao nascer,
nem a meio de seu curso, nem quando se põe.
(...)
Não há ruído de animais selvagens, nem de rebanhos,
nem de ramos agitados pelo vento, nem da altercação da voz
humana. Reina a muda quietude. Da raiz da rocha, contudo,
brota um ribeiro de água do Letes que, correndo murmurante
em leito de seixos rumorejantes, convida ao sono.

Frente à entrada da caverna, crescem incontáveis ervas
e a fecunda papoila de cuja seiva a Noite colhe um narcótico
que, com a sua humidade, espalha sobre a terra escura.

Para não ranger, ao rodar no gonzo, não há porta nenhuma
na casa toda, nenhum guarda à entrada. Mas, a meio
da caverna, ergue-se um leito de ébano, colchão de penas,
cor preta, coberto de negra colcha, onde o mesmo deus
se deita, dissolvido na preguiça. Em volta dele, ao acaso,
imitando formas várias, deitam-se tantos quiméricos
sonhos como espigas tem a messe, folhas tem a floresta
e grãos de areia tem a praia.

(Livro XI, vv. 592-614)

09 setembro 2009

Ainda Horácio


Como se pode ver, o meu frigorífico é muito intelectual. Deu-lhe para Horácio.
Nesta ode (I, 37), o poeta exorta à comemoração da morte de Cleópatra, que fez frente a Octaviano (e perdeu), em 31 a.C.

Bebamos agora, amigos, é nosso dever:
dancemos agora com pé ligeiro, é tempo
de abastar o luxuoso leito dos deuses
de sálios banquetes.

Até agora, os deuses proibiam-nos de retirar
o Cécubo da velha adega: uma rainha preparava
a louca ruína do Capitólio
e as exéquias do nosso poder,

com a ajuda de uma contaminada súcia de homens
depravados até à doença; descontrolada tudo esperava,
ébria de uma fortuna amiga.
Porém, um só navio

do fogo a custo fugiu, sua demente fúria acalmando:
seu plano, louco e imerso em vinhos mareóticos,
César reduziu a reais temores,
quando ela, como se voasse,

de Itália fugiu, e ele, tal como o falcão caça
as dóceis pombas, ou pelos nivosos campos da Hemónia
o veloz caçador atrás da lebre corre,
para pôr correntes nesse fatal portento

à força dos remos de perto a perseguiu. Ela, procurando morrer
com maior nobreza, nem receou com mulíebre medo
o punhal, nem tentou com sua veloz armada
uma recessa costa alcançar,

antes teve a bravura de ver com sereno gesto
seu palácio desmoronar-se, e corajosa pegar com as mãos
em ferozes serpentes, para assim negro o veneno
penetrasse no seu corpo:

decidindo-se pela morte mais intrépida se tornou,
recusando-se certamente, mulher altiva, a ser levada,
já não mais rainha, pelos cruéis barcos liburnos
a um soberbo triunfo.

(a tradução é de Pedro Braga Falcão, referida aqui)

08 setembro 2009

Cartão vermelho


A Martinha brindou-me com esta corrente:
"Cada um deve fazer uma listinha com 10 escolhidos para dar o cartão vermelho. Pode ser uma pessoa, uma atitude, enfim, tudo aquilo que de alguma forma nos incomoda, se quiser e precisar, dê uma justificativa breve. Após fazer isso, passe a bola para mais cinco blogueiros e vamos ver no que dá...".

Cá estão os 10 cartões vermelhos:

- cartão vermelho à desconsideração
- cartão vermelho ao desrespeito
- cartão vermelho ao egoísmo
- cartão vermelho à estupidez
- cartão vermelho à humilhação
- cartão vermelho à ignorância
- cartão vermelho à intolerância
- cartão vermelho à preguiça
-
cartão vermelho à prepotência
- cartão vermelho à violência

Mesmo sabendo que alguns não gostam de correntes, mas porque acredito que não possuem aquelas características nem se dedicam a nenhuma daquelas actividades, passo a:

- Xiclista
- Once
- Redonda
- Leonor
- Gi

07 setembro 2009

O verdadeiro «carpe diem»

Há uns anos comprei este íman na loja do Museu Britânico, em Londres.
Hoje, directamente da porta do meu frigorífico, passando pela Livraria Pátio de Letras onde comprei as Odes de Horácio, da Cotovia, em tradução de Pedro Braga Falcão (Oh, deuses! Andei com os pais dele na faculdade!), aqui vos deixo a ode 11 do livro 1, o verdadeiro «carpe diem» (se bem que este outro fosse mais antigo...):

Tu não perguntes (é-nos proibido pelos deuses saber) que fim a mim, a ti,
os deuses deram, Leucónoe, nem ensaies cálculos babilónicos.
Como é melhor suportar o que quer que o futuro reserve,
quer Júpiter muitos invernos nos tenha concedido, quer um último,

este que agora o tirreno mar quebranta ante os rochedos que se lhe opõem.
Sê sensata, decanta o vinho, e faz de uma longa esperança
um breve momento. Enquanto falamos, já invejoso terá fugido o tempo:
colhe cada dia, confiando o menos possível no amanhã.

05 setembro 2009

A mulher lenta

(foto do meu braço direito ontem de manhã)

O título deste post ainda pode levar a pensar que me cortaram alguma coisa, como à personagem do livro de J. M. Coetzee, onde me inspirei, mas não.
Torci o pulso e talvez tenha uma pequena fractura, mas disseram-me que numa semana fico boa.
Consigo escrever com dois dedos da mão esquerda.
Não, não, a esquerda não tem nada, eu é que só sei escrever com dois dedos (se bem que o meu normal seja usar quatro, com uma bela velocidade).

E tudo o que faço agora é muito mais lento.
Não deixa de ser uma aprendizagem, como me disse ontem uma querida amiga.
Desacelerei.

03 setembro 2009

Ficar de olho...

O gentil Carlos Barbosa de Oliveira, do Crónicas do Rochedo, ofereceu-me um simpático prémio há quase um mês e só agora agradeço. Peço desculpa pelo atraso com que me manifesto, mas o agradecimento há muito que aqui mora. «Vale a pena ficar de olho nesse blog» é o nome do prémio e tenho de o atribuir a 10 convivas deste espaço.
Quem já andou por estas correntes sabe quão injustas se tornam estas escolhas, mas como aceitei o desafio, vale a pena ficar de olho nestes blogues:

Restolhando
fio de prumo
Pátio de Letras
Black Box Syndicate
Ponteiros Parados
As coisas são como são
Floresta do Sul
Meditação na pastelaria
Livro de Estilo
A dignidade da diferença



02 setembro 2009

José Carlos Fernandes

(foto tirada daqui)
Gosto muito de José Carlos Fernandes.
Já o tinha dito aqui.
Gosto muito do que desenha e quase ainda mais do que escreve. Talvez porque muitas das suas referências remetam para autores que aprecio.

01 setembro 2009

«a ver se adiantamos alguma coisa»

(tirei a imagem daqui)

Simbolicamente, recomeço a escrever no blogue no primeiro dia de Setembro. Os professores contam os anos de um modo diferente (de Setembro a Agosto) e esta é uma data sempre importante.
Tenho andado a preparar o ano lectivo que está a começar, à roda com objectivos e competências, descritivos de unidades curriculares e preocupada em como organizar as aulas de tutoria. A adaptação ao modelo de Bolonha, para fazer sentido, tem de dar, efectivamente, mais autonomia aos alunos, mas as tutorias terão de ser algo mais do que outra aula normal ou, o que é pior, uma aula inexistente.
No início de cada ano lectivo faço votos para ter alunos que gostem de aprender e que, como diz o Sócrates de Platão (n' A República 346a), não respondam contra a sua opinião real, «a ver se adiantamos alguma coisa».