19 dezembro 2006

«Espécies do Ecossistema Transportal» - escreveram outros (4)

Tenho andado um pouco arredada nestes dias (ranhosa, fanhosa, tosseca, espirritos) com múltiplas actividades (boas, excelentes!) que me têm afastado da blogosfera.
Regressada, aqui fica o meu obrigada a todos os amigos que se preocuparam com a minha ausência!
E como nestas deambulações passei pela capital, este surripianço vem mesmo a calhar! Com autorização do autor!
Obrigada, Xêroso!

Já o escrevi anteriormente, e continuarei a escrevê-lo até me apetecer ou os dedos me doerem, que os transportes públicos são para mim uma grande fonte de inspiração e, nas viagens mais longas, quase de expiração.

A quantidade de situações presenciadas dava bem uma série televisiva, que certamente rivalizaria com os Morangos com Açúcar ou com a Floribela, só faltando saber se a série seria do género dramático ou comédia.

Neste contexto, gostaria de publicar um estudo que venho fazendo nos últimos tempos sobre as diferentes espécies que habitam no Ecossistema Transportal, espécies essas tão distintas como as regras que ditam o seu comportamento.

Não foi fácil, passar tanto tempo neste ambiente, tendo muitas vezes de adoptar os seus comportamentos de forma a perturbar ao mínimo os seus hábitos. Houve uma ou outra situação em que a espécie em estudo desconfiou da câmara de vídeo e da rede, mas o que seria duma reportagem sobre o mundo animal sem uma dose de perigo e adrenalina?
Este trabalho nunca estará completo, tal a dinâmica apresentada neste habitat, que todos os dias revela ao mundo novas e espantosas espécies, pelo que se seguem apenas as que já estão totalmente estudadas e catalogadas.

Cavalo de Corrida - Este animal posiciona-se sempre encostado à porta de saída, independentemente do seu destino. Quando esta abre, seja qual for a hora ou o transporte, desata numa correria desenfreada, como se levasse às costas um jockey imaginário. Tentei por diversas vezes acompanhar um, mas foi um esforço inglório. Desconfio que tentam apanhar outros transportes, mas é uma mera suposição. Aguardo os resultados dos colares sinalizadores para ter certezas

Diabo da Tasmânia - Cuidado, este é bastante agressivo! Passa despercebido, como se estivesse num estado de letargia, mas basta vagar um lugar sentado e saiam da frente do bicho! Cotoveladas, rosnadelas, arranhões, mordeduras, beliscões, tudo vale para conseguir chegar primeiro ao seu objectivo.

Stripper - Esta espécie gosta de se encostar nos postes existentes no meio dos transportes, desde o início das nádegas até à nuca, borrifando-se para o facto de haver outros animais agarrados a esse apoio. Ainda não perdi a esperança de ver alguém meter-lhe uma nota no cinto e ele começar a esfregar-se no poste para cima e para baixo, enquanto lambe o dedo indicador.

Lucky Luke - Talvez o ser mais rápido deste ambiente. Quando o poste não está ocupado pelo Stripper, e estão trinta mãos a agarrar o dito (poste), basta retirar a mão por 2 segundos para coçar o nariz ou ajeitar os óculos e eis que o Lucky Luke ataca não se sabe vindo de onde, ocupando o nosso lugar! Um autêntico filho dum... que ainda por cima nos olha de lado por lhe tocarmos na mão.

O Cerejeiro - Apenas existem machos, caracterizando-se por gostarem de fazer descansar o seu sistema reprodutor, mais concretamente os seus tomates, nos ombros dos bichos que vão sentados, como se fossem umas cerejas enfeitando uma orelha. A melhor solução para nos livrarmos do “ornamento” é com um súbito e repentino levantar, causando normalmente a fuga do cerejeiro, urrando de dor.

Carneiro - Especialmente numeroso nas horas de ponta, limitam-se a ir na corrente, balindo para aqui e para acolá. É uma espécie patética, que aparenta ir para onde os outros vão.

Salmão - Gosta de enfrentar a corrente formada pelo rebanho dos carneiros. Torna-se particularmente agressivo quando nota que o seu transporte está prestes a partir.

Hipopótamo - Movendo-se com a graciosidade muito própria desta espécie, ao chegar a qualquer lado provoca estragos num raio de 7 metros até se sentir totalmente confortável. Atinge um maior potencial de destruição quando a carruagem está apinhada e resolve tirar o sobretudo, o casaco, três camisolas e qualquer coisa de dentro da mala.

Preguiça - Assim que se senta, adormece. Algumas subespécies tendem a babar-se, roncar e inclinar-se perigosamente para o lado onde não têm apoio, especialmente se aí estiver uma fêmea jeitosa. A sua sonolência atinge um ponto de quase não retorno quando se sentam em lugares reservados a grávidas e aparece uma.

Nómada - Espécie irritante que vagueia entre carruagens, buscando não se sabe muito bem o quê. Por muito cheio que esteja o transporte, ei-lo a vaguear por entre os outros animais, procurando assentos, companhia, um jornal abandonado, etc. Este animal é uma besta.

Headphones - São uns chatos do catano. Está um tipo sentadinho, quando se sentam em cada um dos nossos lados os headphones esquerdo e direito. Iniciam então uma conversa frenética que se processa quase integralmente através das nossas orelhas.

Stressado - Este animal julga ter um papel importante no ecossistema, mas é o único a ter esta opinião. Quando por algum motivo o transporte se demora um bocadinho mais na paragem, o stressado imediatamente mete a cabeça de fora, ou mesmo o corpo todo, como se dessa acção dependesse o reiniciar da viagem. Ocasionalmente ainda perturbam mais a partida pelo facto de ficarem entalados na porta ao voltarem para dentro.

Menir - O mais misterioso. Não se sabe muito bem para que servem, nem porque foram colocados em determinado sítio. Estes animais são assim, abancam num ponto (normalmente nas zonas de passagem) e ali ficam, imóveis, tendo toda a circulação de ser feita contornando os mesmos.

Calhau com Olhos - Este animal desenvolveu uma estranha aversão a segurar-se nos apoios. Assim, e sempre que há um solavanco, é vê-lo a ser projectado contra tudo e todos, qual mala frágil num porão de avião!

E pronto, estas são as espécies já estudadas. Outras, como o “Mete Nojo”, o “Gafanhoto”, o “A cabeça já está, falta o resto!”, a “Sardinha”, o “Mãozinhas”, os “Aparadores de Livros”, o “Martim Moniz” ou o “Carente” necessitam de mais dados e serão discutidas noutra ocasião.
Espero ter contribuído para aumentar o vosso conhecimento sobre o Ecossistema Transportal. Aos defensores dos direitos dos animais, posso garantir que quase nenhum foi magoado no decurso da investigação, os próprios dardos tranquilizantes eram muito fraquinhos. Realmente houve um ou outro que gritou quando foi espetado nos expositores e alguns que se recusavam a ir para o frasco com formol mas porra, em prol da ciência acho que são aceitáveis uns sacrificiozinhos!
Até sempre,
Rafeiro Perfumado

4 comentários:

Miguel G Reis disse...

Qual David Attenborough do Ecossistema Transportal. Girissimo!
E a espécie ''A cabeça já está, falta o resto!'' promete.

Beijinhos
:)*****

Rafeiro Perfumado disse...

Este escritor merecia um Nobel! Que digo eu? Um Óscar! Uma noite com a Nicole Kidman! ;)

Manuel disse...

Uma noite com a Nicole parece-me algo exagerado, mas alguma coisa há-de se arranjar...

Palmas para essa excelente descrição de uma comédia que tenho a sorte de presenciar diariamente...

Não resisto a acrescentar três espécies que pululam no "ecossistema transportal" que costumo utilizar:

- Os "abre-alas", que quando sentados nos bancos insistem em permanecer com os membros inferiores bem abertos e apartados, defendendo o seu território dessa forma e se isto não chega costumam recorrer a um espaçoso espreguiçar que permite ao ocupante do lugar ao lado sentir o seu odor peculiar. Normalmente não volumosos mas parecem necessitar de muito espaço.

- Os "Encostos", uma espécie curiosa que prefere sempre uma proximidade extrema com os outros do que ocupar o espaço vazio, que abunda mesmo ali a dois passos. A espécie dá mais nas vistas quando se trata de um macho no cio que parece escolher as fêmeas vítimas dessa intimidade forçada pelo cheiro e juventude.

- As “gralhas” e o os “papagaios” são duas subespécies que se dão muito bem. Andam sempre em grupo e parecem ter desenvolvido uma capacidade enorme de comunicação, pois mesmo quando o metro faz uma chiadeira infernal, continuam a falar, aumentando exponencialmente o volume, mas quando o ruído termina parecem ter alguma dificuldade em baixar o volume dos sons que emitem pela boca, o que normalmente acaba por causar um esvaziamento precoce da parte da carruagem que ocupam.

Papo-seco disse...

e agora o que falta é o mesmo mas em versão "portadores de chapéu de chuva e/ou malas a tiracolo"