24 outubro 2008

Comun(itar)ismo

Praxágora: Bem, que nenhum de vocês me contradiga nem interrompa, antes de conhecer o meu projecto e de ouvir os meus argumentos.
Quero dizer-vos que é preciso que todos entreguem os seus bens para um fundo comum, para onde cada um contribua com a sua parte e de onde retire a subsistência. Não mais há-de haver ricos e pobres; nem uns a cultivarem propriedades enormes, e outros sem terem onde cair mortos; nem uns a terem ao serviço batalhões de escravos, e outros nem sequer um criado. O que eu quero estabelecer é um padrão único de vida em comum, igual para todos.

Bléfiro: Comum a todos... como?

Praxágora: Já a formiga tem catarro!

Bléfiro: Catarro?! Também vamos pô-lo em comum?

Praxágora: Nada disso! Levas o tempo a interromper-me. Ora dizia eu que a terra, antes de mais, vou torná-la um bem comum a todos; e também o dinheiro; e tudo que é propriedade privada. É deste fundo comunitário que nós, mulheres, vos vamos sustentar. É a nós que compete administrá-los com economia e bom-senso.

Bléfiro: E quem não for proprietário de terras, mas possuir dinheiro e ouro, bens que se não vêem?

Praxágora: Tem de os pôr no monte.

Bléfiro: E se não puser?

Praxágora: Incorre em perjúrio.

Bléfiro: Ora, ora! Já foi assim que eles os ganharam!

Praxágora: Mas seja como for, também não lhes servem para nada.

Bléfiro: Como assim?

Praxágora: Por necessidade, ninguém mais precisa de se mexer. Toda a gente vai ter tudo: pão peixe, bolos, casacos, vinho, coroas, grão-de-bico. Qual a vantagem de se não entregar os bens? Ora diz lá, se fores capaz!

Bléfiro: O certo é que, hoje em dia, são aqueles a quem não falta nada, os que mais roubam.

Cremes: Isso era dantes, meu amigo, quando vivíamos no tempo da outra senhora! Mas com agora - com a tal história do fundo comum - , que é que se ganha em não entregar?

Aristófanes, As Mulheres no Parlamento, JNICT, Coimbra, 1996. Tradução de Maria de Fátima Silva.

5 comentários:

José Ricardo Costa disse...

Aristófanes no seu melhor.

Sempre que se me deparam textos assim, sinto que a minha percepção do fluxo histórico deve ser reformulada. Existirá, de facto, tempo histórico, por detrás de todas as aparências físicas, das casas, das roupas, da arte?

Deus do céu, eu leio isto e poderia ser a Helena Pinto do BE a discursar na AR.

Vá postando textos destes, o pessoal agradece!

JR

claras manhãs disse...

Ui Xantipa!
O José Ricardo Costa tem razão.
eu direi que isso voltará a ser no tempo de uma outra Senhora
A comunidade comum é capaz de vir a ser uma coisa com pés e cabeça, se gerida por mulheres.

Mas daqui a um bocadinho haverá alguém a chamar-me feminista....

Beijinho

António Conceição disse...

O Desvario é antigo. Thomas Morus também sonhou com o homem novo.
Entre nós também houve quem sonhasse: ver em:
href="http://www.youtube.com/watch?v=CbxGF7ZhHDM&feature=related"

António Conceição disse...

Em rigor, o Aristófanes português está em:
http://www.youtube.com/watch?v=CbxGF7ZhHDM&feature=related
No comentário anterior, eu estava a tentar linká-lo directamente. Mas sou um ignorante.

Xantipa disse...

Caros amigos,
Eu aqui sou um pouco perversa, pois só ponho um bocadinho. Leiam, tudo, leiam tudo... e leiam o post seguinte.
:)