07 dezembro 2006

Culpa? É do bode expiatório...



No outro dia, num raro momento em que vi um pouco do telejornal, foi notícia (e ainda não percebi bem porquê, com tantas coisas importantes a acontecerem) o caso de duas alunas de uma escola secundária que se terão inscrito condicionalmente no 12º ano, enquanto não saíam os resultados dos seus exames de 11º.
A aluna que deu a cara disse, chorosa, que não tinha ido consultar o resultado do exame (!!??) e, como se viu nas pautas do 12º, assumiu que tinha passado (não pôs sequer a hipótese de, também ali, estar condicional). Quando a secretaria finalizou os processos, informou-a de que estava no 11º, pois tinha reprovado nos exames.
E a culpa pairava… de quem era?
Não compreendo o que se passa ultimamente com este conceito… pelo que me é dado a perceber, a culpa nunca é nossa… ou é sempre nossa e assumimo-la mesmo quando não é, vitimando-nos («eu sei… a culpa é minha… se eu não tivesse feito… então não teria acontecido…»), perdendo assim o valor, por ser falsa, a assunção das responsabilidades.
Sim, porque o que me parece é que não se assume responsabilidade pelo que se faz.
O conceito do bode expiatório, presente no Antigo Testamento, onde um bode assumia as culpas dos cidadãos e era escorraçado da cidade para os libertar das faltas cometidas, existia na Grécia. Aí havia o costume de, a expensas da cidade, se alimentar um mendigo (ou um prisioneiro, ou um deficiente) durante um ano (por vezes, em caso de uma praga, dada a urgência, era o que estivesse mais à mão…), para que, numa cerimónia, fosse coberto por roupas solenes e percorresse a cidade, de modo a levar consigo todos os problemas: fome, doenças, crimes. No final era lapidado até à morte. Nalgumas cidades era atirado do alto de um precipício. Noutras, era apedrejado, mas podia fugir se sobrevivesse… Posteriormente, escolhia-se um escravo (será que os escolhiam pela largura das costas?) para ser chicoteado e expulso, concedendo-lhe, em consequência, a liberdade Herdámos da cultura grega, herdámos da cultura judaico-cristã. Cristo morreu pelos nossos pecados. No catolicismo, estes são perdoados pela confissão. Des
responsabilizámo-nos. Não há culpa para ninguém. Aliás, há, mas é dos outros!
E o único sítio onde sei que há culpas assumidas é… no cartório.

6 comentários:

Etienne disse...

E eu estou solidário com o desgraçado do bode que anda a arcar com as culpas !

Bom fim de semana. *

Manuel disse...

Steven Saylor no seu livro "Last Seen in Massilia", (Marselha), conta-nos os últimos dias de vida de um desses bodes-expiatórios, envolvendo-o intimamente com o protagonista dos seus livros, Gordiano.

É um livro muito interessante, recomendo a todos. A arte literária do Saylor não é nada do outro mundo, mas consegue criar interesse em qualquer um logo nas primeiras páginas.

Bom fim de semana para todos. 8) (Mais um dos grandes!)

Anónimo disse...

Lembro-me quando me confessava que até inventava pecados, porque era obrigada a confessar-me a cada oito dias.
Um inferninho.

Miguel G Reis disse...

Excelente postal!

''Sim, porque o que me parece é que não se assume responsabilidade pelo que se faz.''

Tens toda a razão. É sempre mais fácil a desresponsabilização. Como escreves-te:
''Não há culpa para ninguém. Aliás, há, mas é dos outros!''

Beijinhos
:)***

Xantipa disse...

Querido Voyeur,
Bom fim de semana (na medida do possível...)
**

Querido Manuel,
Eu sou fã do Gordiano. Como, aliás, sou fã de tudo o que traga a antiguidade aos nosso dias e nos leve até lá também!
Li esse, mas já não me lembrava. É óptimo! Leiam Todos!
:)

Querida Marta,
Sei bem o que dizes! lolol

Miguel querido,
Claro! A culpa não é minha!
:)***

Anónimo disse...

Esse bode, expiatório ou não, costumava irritar-me todos os dias.
não era bem o bode, era mais a cor do céu, aquelas cores que os pré rafaelistas-não sei se traduzo bem- tanto adoravam e eu tanto detesto.
Mas a caminho da sala de escultura clássica onde andei a limpar os zizis dos puti, que alguma criancinha se tinha divertido a sublinhar a lápis, lá estava o bode a olhar para mim como se me fosse marrar com todo o poente que lhe serve de cenário.
A galeria é fantástica, com bode ou sem bode. Costumava ir ao almoço montar a cavalo com a Lucy Wood e lá passava ao pé do bode outra vez