23 outubro 2006

Eu tenho dois amores...

(...) Afirmavas-me, lembro-me bem,
que não era possível alguém, ao mesmo tempo, amar duas mulheres.
Por tua causa, deixei-me surpreender, por tua causa, fui apanhado desprotegido;
eis que passo pela vergonha de duas mulheres, ao mesmo tempo, amar.
Uma e outra são formosas, esmeram-se ambas na elegância;
nas artes, tenho dúvidas se tem esta, se aquela a primazia;
aquela é mais formosa do que esta, esta é, também, mais formosa que aquela;
ora me agrada mais esta, ora mais me agrada aquela;
balançam, como uma barcaça sacudida por ventos desencontrados
e trazem-me partido ao meio um e outro amor.
(…)
Mas antes isto do que ficaram morto sem amor.
Que ao meus inimigos caia em sorte uma vida austera
(…)
a mim, que me caiba em sorte desfalecer nos movimentos de Vénus,
quando a morte chegar, e possa eu extinguir-me em meio da função;
e haja alguém que proclame, entre lágrimas, nos meus funerais:
“essa foi uma morte de acordo com a tua vida”.


Mais Ovídio! Desta vez os Amores (II, 10.), também em tradução de Carlos Ascenso André para a Cotovia, em 2006.
Os Amores foram a sua primeira colectânea de poesia amorosa, escrita quando o poeta teria cerca de 20 anos. Diz-nos o tradutor na introdução: «Eram já poemas nascidos naquela sociedade frívola e faustosa que Roma começava a ser; e Ovídio havia-se transformado, rapidamente, no poeta dilecto dos salões mundanos, dos festins, da música, das beldades.

Ovídio, 43 a.C - 17 /18 d.C.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ele deveria de ter percebido que não é balançar entre os dois amores, é integra-los.

Xantipa disse...

Caro (ou cara) anónimo(a),
Bem visto. Obrigada pela sua perspicaz observação.
É nessas coisas (a que não quero chamar pormenores) que se nota a idade de Ovídio...
:)