09 novembro 2006

Filoctetes

Regressada à minha Atenas, reencontro, finalmente, o Tempo! Garanto que os dias aqui são maiores!

Tenho à minha frente a tradução de Filoctetes de Frederico Lourenço, a que ele chamou «recriação poética», «um pouco à semelhança do que fez Sophia de Mello Breyner Andresen na Medeia», adianta, no Posfácio. As diferenças entre o texto de Sófocles e o seu? Responde, no mesmo Posfácio:
«Alguns pequenos cortes (sobremaneira oportunos, do meu ponto de vista) talvez lhe causassem perplexidade. A colocação de um verso de Píndaro na boca de Neopólemo também («como os deuses fazem que o incrível se torne crível tantas vezes»). A desconstrução e «pós-moderna» remontagem do prólogo certamente.
Mas na essência, é a sua peça, o Filoctetes sofocliano, que ele reconheceria

Antes de ir para Olissipo estive a reler a peça e ao ver a actuação reconheci as palavras de Sófocles. Se a preocupação de Frederico Lourenço era tornar o texto representável na nossa língua, conseguiu-o! Éramos 40. Alunos e professores. E gostámos muito!
Luís Miguel Cintra estava irrepreensível. Não se via ali um actor, não se via ali um bom actor. Quem ali estava era Filoctetes, velho, cansado, revoltado, desconfiado, esperançoso, doente...
E que dizer de António Fonseca? Não era António Fonseca, era Ulisses!
O despojamento do cenário, o azul dos marinheiros, o espelho que nos tornava participantes na peça, tudo isso contribuiu para uma entrega total às palavras de Sófocles. E as palavras criaram sentimentos...
Diz Aristóteles, na Poética, 1453b1-7:
O temor e a compaixão podem, realmente, ser despertados pelo espectáculo e também pela própria estruturação os acontecimentos, o que é preferível e próprio de um poeta superior. É necessário que o enredo seja estruturado de tal maneira que quem ouvir a sequência dos acontecimentos, mesmo sem os ver, se arrepie de temor e sinta compaixão pelo que aconteceu;
(tradução de Ana Maria Valente, em edição da Fundação Calouste Gulbenkian)
Ficámos todos com vontade de mais...

(Sim, Sales, vale a pena!)

6 comentários:

Anónimo disse...

Apesar de manter o Filetes, foi o post mais erótico que já lhe li.

Gostei especialmente da parte da colocação do Pífaro na boca do Neopólemo.

Beijinhos. :-)

Anónimo disse...

Eu apostaria que a parte que achaste mais erótica foi a do o "azul dos marinheiros"...

Anónimo disse...

Eu apostaria que você além de anónimo é marinheiro...

Anónimo disse...

Ainda não vi a peça, mas não a quero perder.
Obrigado pela crítica.

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Xantipa:
Curioso confrontar o verso citado com a frase de Chesterton: «A coisa mais incrível nos milagres é que acontecem». Acentuações diferentes, na acção sobre a Fé e na Realização Divina como surpresa - prova da dose mitigada dela?
Beijinho.

Ensaio disse...

Parabéns pelo post. Muito fiel à qualidade do espectáculo.