19 novembro 2006

Quem pode julgar acções de guerra?

Li no Retórica um post que comentava as afirmações de um capitão americano que escrevera:
«A minha intenção foi dizer que esta é a realidade da guerra. Isto é o que a guerra faz a jovens normais. Isto é a tragédia da guerra. As pessoas apressam-se a criticar os fuzileiros e a demonizar estes jovens. Eu tenho pena deles. As suas vidas foram arruinadas pelas suas acções, que são julgadas por homens que nunca estiveram nessas situações».
Como não posso deixar lá o meu comentário, faço-o aqui.
Apenas um breve comentário ao seu post onde o amigo realça :«As suas vidas foram arruinadas pelas suas acções, que são julgadas por homens que nunca estiveram nessas situações».
Como concordo com as considerações que tece, atenho-me à frase do americano, que me parece falaciosa.
Se as acções só pudessem ser julgadas por quem já esteve nas mesmas situações, então teríamos de ter juízes «quase» assassinos, «quase» ladrões, «quase» violadores (digo «quase», porque teriam de ter estado quase a fazer, mas teriam «resistido»), para poderem compreender como é o impulso de matar (por raiva, ódio, desespero, etc.), de roubar (por fome, inveja, etc.), de violar (por , desrespeito, traumas, desejo, etc.) ...
Como seres humanos, estamos todos sujeitos a praticar estas acções, numa altura ou outra da nossa vida.
A guerra é um momento muito violento, é verdade. Tucídides conta-nos como, durante a praga que vitimou tantos atenienses na Guerra do Peloponeso, muitos se aproveitaram do facto de saberem que iam morrer para desrespeitarem as leis e cometerem atrocidades.
Durante as guerras que o séc. XX viveu, sabemos como se portaram alguns, que reagiram a deixar-se levar pela «loucura» que a situação lhes proporcionava.
O que quero dizer (para que este comentário não seja pouco breve) é que, apesar da guerra (e aceitando-a como legítima) tem de haver limites e saber-se distinguir uma acção fundamentada de uma acção criminosa.
Se agora me responde que estes jovens não têm formação para saber fazer essa distinção, que são lançados «às feras» sem orientação, que os chefes são os responsáveis pelas ordens que dão e os soldados apenas cumprem, etc, etc, então teremos outra conversa e eu, mais uma vez, concordarei consigo, de certeza.

4 comentários:

Miguel G Reis disse...

Ola Xantipa

Bom dia.

Gostei muito do teu comentário.

Diria no entanto que o problema tem duas perspectivas, que dada a natureza do fenómeno atroz e limite que é o fazer a guerra, acabam por tornar-se antagónicos e contradictórios.

Dum ponto de vista humano, as palavras do capitão americano são para mim claras. A guerra é o campo do matar ou morrer, de salvar-se a si e aos seus ou morrer, e nesse sentido leva, em situações extremas, à quebra das regras morais. Entre ser moral e deixar alguém que, de alguma forma te é próximo (mesmo só porque partilhas costumes, ou uma língua comum), morrer, e engolir a moral e matar para salvar esse alguém, não há, em geral, escolha. A não ser que se seja de um calibre moral excepcional (cá vem o Diógenes...). E dado este passo, o de agir para além da moral, vai-se o (racional) humano, e fica o choque do ser humano que se confronta com o puro animal em si. E a incerteza de aceitar este 'animal', ou o ser moral e social que existia até àquele momento.

Dum ponto de vista social, melhor dito no contexto da polis, é exactamente o oposto, e aí concordo totalmente com os teus argumentos. Não poderia ser de outra maneira, do meu ponto de vista. Daí a necessidade, expressa pela polis, do juíz ser uma entidade o mais impoluta possível.

E não acho que esta antinomia tenha solução. E daí que a guerra tenha sempre a mesma face horrenda, com ou sem civilização.

Beijinho
Miguel
:-)

Anónimo disse...

Desculpem os dois mas não estou muito de acordo.
Só por aquele mail não consigo perceber muito bem o que se passou a não ser que 2 fusileiros foram acusados de "assassínio". As aspas é para chamar a atenção da palavra.
Numa guerra é dado adquirido que se mata, para defender a causa, para se defender os seus e para não se morrer. Na guerra, e dentro dos parâmetros mencionados não há assassínios.
Depois disto dito, gostava de saber o que terão feito os ditos fusileiros para serem acusados de assassínio.
Estou de acordo que a guerra transforma e distorce a moral das pessoas, mas felizmente não a maior parte.
Também é verdade que estou a discorrer sentada numa cadeirra.
Beijinhos aos dois.

Xantipa disse...

Queridos Miguel e mfba,

Pelo percebi da notícia do expresso (e como não era muito clara fui ver o que se passava) estes crimes têm a ver com acções fora do âmbito restrito da guerra. Ora o que é isso? perguntam-me.
A guerra faz-se entre guerreiros e, pelo que me foi dado a saber, estes marines teriam assassinado civis indefesos. Foi isso. Daí que o próprio capitão diga que, se forem considerados culpados, que sejam castigados. Mas ele refere-se, penso eu, às atenuantes que deveriam existir nestas situações, pois só quem passa por elas as compreende. É esse o argumento dele...
(este capitão morreu, entretanto...)

Anónimo disse...

Pois é, não estou de acordo com as atenuantes e não ao nível da polis mas sim ao moral.